04 de novembro de 2024

Recordações de uma tarde ociosa

Por José Carlos Sá

Recordações de uma tarde ociosa

Depois do almoço, sem nada para fazer ou pensar, resolvi ler, tendo como som ambiente músicos de quem gosto. Ouvi Zeca Baleiro, Rita Lee, Tim Maia, Betos Guedes, 14 Bis, Milton Nascimento e os Beatles. O álbum escolhido do Milton Nascimento foi “Sentinela”, gravado em 1980.

A música “Itamarandiba” está no Lado B do disco Sentinela, lançado em 1980 por Milton Nascimento (Reprodução)

A minha atenção estava concentrada nas aventuras do Bacharel de Cananéia, um misterioso personagem da história do Brasil, narradas por ele mesmo, quando a certa altura começou a tocar “Itamarandiba”, canção assinada por Milton Nascimento e Fernando Brant, e me lembrei de uma conversa ocorrida no setor onde eu trabalhava, entre meu chefe e os colegas em 1982 ou 1983.

Eu comentava sobre as músicas do Milton Nascimento de que gostava, quando a colega Luiza de Marilac perguntou se eu conhecia “Itamarandiba”. Respondi que sim e cantarolei um trecho. Ela então disse que era natural da cidade e que os conterrâneos dela não gostaram da homenagem.

Itamarandiba em 1950 (Foto acervo Ana Carolina Maria Soraggi/Reprodução)

Abre parênteses – Itamarandiba fica no Vale do Jequitinhonha, no nordeste mineiro, e tem 32.948 habitantes (Censo de 2022). A economia é baseada na extração de pedras preciosas, eucaliptocultura, agropecuária e produção de carvão vegetal. – Fecha parênteses

Quisemos saber o porquê, e a Luiza respondeu que alguns versos eram entendidos como ofensivos e até pejorativos. Fernando Brant escreveu: “(…) Itamarandiba, pedra corrida, / pedra miúda rolando sem vida / Como é miúda e quase sem brilho a vida do povo que mora no vale / (…)”. “O pessoal lá não gostou de chamar a cidade de “sem vida”, disse ela.

O nosso chefe Licurgo, que ouvia a conversa, resolveu dar o pitaco dele. 

– Luiza, eu não sabia que você era de Itamarandiba. Há quanto tempo você não vai lá?

– Vou a cada 15 dias, voltei nessa madrugada… Por que? Você conhece a minha cidade?

– Não, mas vou descrever ela para você: Tem uma rua principal que começa na entrada da cidade, onde tem um posto de gasolina. Na outra ponta dessa rua está a igreja e, ali perto, está a prefeitura. Acertei?

– Sim! Como você sabe?

– Toda cidade pequena do interior é assim… E você, Rui, é de onde? Licurgo perguntou.

– Daqui, de Beagá mesmo.

– Zé Carlos, eu sei, é de “Tiófotoni”…

– Sim, mas a descrição de Itamarandiba não cabe em Teófilo Otoni. Lá tem muitos postos de gasolina e a matriz é longe da prefeitura.

E todos rimos daquela bobagem – menos a Luiza, que fez muxoxo. A música fez aflorar do fundo da minha memória essa singela passagem.

 [Crônica CLVIII/2024]