03 de novembro de 2024

Terra Papagalli – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

Retrato do suposto Bacharel de Cananéia de autor e data desconhecidos (Lagamar Ecohotel),

Há muito tempo eu tinha uma curiosidade oculta de saber sobre o Bacharel de Cananéia, de quem meu filho Guilherme muito me falou, quando a Marcela e eu visitamos aquela cidade no litoral paulista, em 2018. Eu só sabia que ele foi um degredado deixado pelos portugueses no Brasil, logo depois do descobrimento, e que conseguiu conviver com os indígenas por muitos anos. 

O livro intercala fatos históricos com muita lenda e imaginação dos autores (Reprodução)

Garimpando em um sebo encontrei esse “Terra Papagalli – Narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçada e gulosa história do primeiro rei do Brasil” (ufa!), editado pela Objetiva, Rio de Janeiro, 2011. A autoria é de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta.

O livro, escrito como se fosse uma carta, nos apresenta Cosme Fernandes, o Bacharel de Cananéia, contando sua vida, desde o nascimento até quando partiu para o autoexílio em terras espanholas, depois de ter atacado e destruído a cidade de São Vicente.

Marco do Itacuruçu – Teria sido implantado pelo donatário Martim Afonso de Souza para marcar os limites do Brasil no sul (Foto site Gabinete de Curiosidades/Reprodução)

A narrativa mistura ficção com fatos históricos e acrescenta mais temperos na desconhecida biografia do Bacharel, desde que nasceu de um casal de cristãos-novos que migrou de Marbella, no sul da Espanha, para Portugal. Para evitar perseguições por serem judeus, Cosme Fernandes foi colocado em um seminário para se tornar padre católico, mas ele “desonrou” a filha de um nobre. Por esse motivo foi preso, recebeu a pena de degredo e foi colocado em uma das naus de Pedro Álvares Cabral que se destinavam às Índias. Ainda na travessia, da Europa para o (futuro) Brasil recebeu o apelido de Bacharel, por ter sido estudante de Teologia e saber falar latim.

A História nos ensinou que, devido às calmarias, Cabral saiu da rota e acabou dando com as caravelas na costa brasileira, onde – após tomar posse da terra e etc. – mandou desembarcar os degredados. O grupo de que fez parte Cosme foi abandonado na região onde estão hoje as cidades de Santos, Guarujá, São Vicente e Praia Grande.

Depois de muitas estripolias, Bacharel foi enviado mais para o sul, exatamente no final dos domínios de Portugal, segundo estabelecia o Tratado de Tordesilhas. Alí, Cosme Fernandes se fixou com suas doze esposas índias e filhos, além de criados e escravos, e passou a aprisionar indígenas e os vender como escravos. Um fato que deve ser real, foi a venda de um lote de 800 indígenas escravizados para o espanhol Diogo Garcia de Morger.

O que pensam de nós

Detalhe de mapa de Pêro Fernandes, datado de 1543, onde se vê a linha horizontal vermelha representando o Tratado de Tordesilhas (Reprodução)

Os autores aproveitam para colocar como palavras do Bacharel de Cananéia algumas impressões que os portugueses tinham (e ainda têm) sobre os brasileiros. Transcrevo um pouco delas, por serem conhecidas e repelidas: 

“Como não têm [os indígenas] necessidade de roçar, vivem num lugar de ares temperados e recebem tudo graciosamente da natureza. É verdade que comem, bebem e, quando estão fatigados, descansam (…)”.

 “É preciso fazer alarde, espetáculo e pompa, pois nessa terra [Brasil] mais vale o colorido  do vidro que a virtude do remédio”

“As portas não são abertas com chaves de ferro, mas com moedas de prata”.

E por aí vai.

É um livro para se divertir e não para se instruir, apesar de que eu fui verificar algumas informações do livro, que mais me impressionaram, como a destruição total de São Vicente, que realmente aconteceu em 1530. E foi verdade.