Em junho foram feitas homenagens ao escritor tcheco Franz Kafka, pela passagem do centenário da morte dele. Na oportunidade foram (re)publicados livros, contos e ensaios sobre ele e aproveitei para reler alguns textos, por isso a situação que vivi ontem me fez sentir-me uma personagem da obra kafkiana.
Há algumas semanas comprei o livro “O quinze”, da Rachel de Queiróz, em um brechó (já publiquei a resenha dele aqui). O exemplar tinha na folha de rosto um carimbo informando que a obra pertencia a uma biblioteca de escola pública e que a edição havia sido distribuída à rede escolar pelo Ministério da Educação.
A Escola Estadual Wanderley Junior, a que me refiro, fica em outro bairro aqui da cidade, e firmei o propósito de devolver o livro à biblioteca assim que possível. Hoje, fiz uma agenda geral de coisas a fazer na rua e incluí passar no colégio para devolver o livro, além disso levei outras publicações para doar.
“Não vai ter custo nenhum”
Na escola, fui direcionado à secretaria, onde contei a história de como um livro deles foi parar em minhas mãos. A pessoa que me atendeu chamou uma colega para ajudá-la. Pacientemente, contei a história de novo e ofereci os livros que levei para doação.
A mulher pediu para eu aguardar e foi à diretoria em busca de orientação. Cinco minutos depois retornou dizendo que a diretora havia agradecido a oferta de doação, mas por falta de espaço físico na biblioteca, não iriam aceitar. Quanto à devolução do livro, a coisa foi meio surreal.
– Este livro – disse a funcionária da escola -, a diretora acha que foi furtado por um aluno…
– Então está devolvido… Eu falei, satisfeito comigo mesmo, e com a sensação de um dever cumprido.
– Ela [a diretora] me orientou a arrancar essa página com o carimbo e entregar o livro ao senhor. O senhor não precisa pagar nada! Disse e sorriu.
– Hein? Coméquié? Senti que os pelos da minha nuca eriçarem, igualzinho à Aurora, a nossa cadela pincher-gigante quando alguém passa perto do nosso portão.
– Sim. Não será cobrado nada do senhor, nenhum custo. Pode ficar com o livro.
Peguei o livro, depois que ela arrancou a folha comprometedora, e a sacola com as doações recusadas, e fui embora sem agradecer a “gentileza”.
Fiquei pensando: Será que o Kafka riria de mim? Com certeza. Acho que ‘morreu’ de rir…
[Crônica XCV/2024]