O livro Lendas da Ilha de Santa Catarina (Ondina Editora, Florianópolis, 2021) é gostoso de ler, não só pelos assuntos enfocados, como pela facilidade que os autores Bebel Orofino e o professor Gelci José Coelho, o Peninha, têm para recontar histórias recolhidas na parte insular de Florianópolis. A origem dos causos se misturam aos trazidos pelos imigrantes portugueses vindos do Arquipélago de Açores à mitologia encontrada entre os povos originários ou pelos escravizados africanos. O espírito do pesquisador Franklin Cascaes está muito presente nesta obra.
Para facilitar a organização dos contos recolhidos, Bebel e Peninha adotaram uma divisão de assuntos inspirada no pensamento do alquimista Paracelso (1493 – 1541), para quem entender as entidades sobrenaturais seria preciso partir dos quatro elementos: água, terra, fogo e ar. Aí temos como exemplo dos seres mitológicos da ilha, no ar, as bruxas; na terra, o lobisomem e a mula-sem-cabeça; no fogo, o boitatá e a cobra de fogo; e na água, as ondinas, sereias e o monstro da Lagoa.

Uma ondina teria encantado o seminarista que sumiu na Lagoa do Peri (Ilustra Letícia Martins/Reprodução)
Gostei da lenda do seminarista que desobedeceu as ordens do padres da Casa de Retiro do Morro das Pedras, foi se banhar na Lagoa do Peri e por lá desapareceu. Encontraram nas areias apenas o hábito e os chinelos dele. O seminarista teria sido atraído por uma ondina (uma espécie de sereia de águas doces), que o encantou e o levou para um lugar de onde ele nunca mais voltou. Consegui imaginar a cena do jovem mergulhando nas águas claras e tranquilas da lagoa e lá embaixo avistando uma mulher muito bonita que o chamava para nadar com ela.
Algumas das histórias narradas no livro eu já havia tomado conhecimento através da literatura catarinense, narrada pela amiga Osmarina Villalva (Nossa Senhora, o linguado, o siri e as tainhas prateadas), ou pelo próprio autor da “lenda”, no caso o professor Peninha, que me contou a história das bruxas tranformadas em pedras (O baile das bruxas de Itaguaçu).
Outras me foram contadas por minha avó no interior de Minas Gerais (O lobisomem e Marido lobisomem) ou atribuída a um morador da localidade de Belmont, em Porto Velho (RO), que era famoso pelas histórias exageradas que contava.
As histórias de bruxas são igualmente deliciosas, com elas aprontando com os manézinhos, embruxando as crianças ou embaraçando os rabos dos cavalos, que elas cavalgavam, quando não voavam nas tradicionais vassouras.

Os boitatá sobrevoavam a Ilha soltando luzes pelos olhos, assustando os manézinhos (Ilustra Letícia Martins/Reprodução)
Esta postagem, se não fosse ferir o nome da editoria, teria como título “Era o Boitatá astronauta?”, isso por que há varios causos em que os narradores disseram terem visto luzes no céu, em diversas partes da Ilha, e que foram atribuídas ao Boitatá e família tatarina: a Vacatatá, o bezerrotatá, o bitatá (que ainda não sei o que é) e a cabratatá, uma agregada dos Tatá. É uma lenda parecida com a da cobra de fogo, que os europeus já encontraram no Brasil na mitologia indígena.
Recomendo muito esse livro.