25 de fevereiro de 2022

Como surgem as lendas – O baile das bruxas de Itaguaçu

Por José Carlos Sá

As lendas, ensinam os livros, são relatos que surgem da imaginação coletiva e são transmitidas oralmente através das gerações e têm como uma das características seu caráter fantástico. A história que vou contar surgiu da imaginação de uma pessoa,  se transformou em lenda e “pegou”, ou melhor, foi difundida por estar em sintonia com uma dos slogans de Florianópolis que é “a Ilha da Magia”.

O Boitatá imaginado por Franklin Cascaes, a partir das histórias colhidas junto aos descendentes dos açorianos (Reprodução)

A lenda da Festa das Bruxas de Itaguaçu passou a constar nas antologias da mitologia junto com os ‘causos’ pesquisados por Franklin Cascaes, que resgatou as crendices populares trazidas pelos imigrantes açorianos há mais de 270 anos e que foram herdadas pelos descendentes deles, guardadas e transmitidas até chegar aos tempos atuais. O marketing turístico se apropriou dessas histórias e as incorporou ao “produto” Florianópolis com muito sucesso, sendo que as pedras de Itaguaçu e sua simbologia fantástica foram tombadas como Patrimônio Natural, Paisagístico e Cultural do Município em 2014.

As bruxas encantadas, na visão da artista plástica Lucília Ferreira – São José SC (Foto Secom PMSJ)

Um resumo da lenda: As bruxas combinaram fazer uma festa sem convidar o tinhoso, que era uma pessoa inconveniente, fedia à enxofre e fazia com que todos os seus discípulos o beijassem no rabo em sinal de submissão. Ao saber da festa para a qual não foi convidado, o maligno se enfureceu e transformou as bruxas em pedra, para que ardam sob a luz do sol.

Na entrevista que fiz com o professor Gelci José Coelho, o Peninha, para uma matéria sobre turismo, ele contou como surgiu a lenda das bruxas de Itaguaçu. Antes, uma apresentação do professor e da praia de Itaguaçu: Formado em história pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com especialização em museologia, artista plástico, ator e dramaturgo; trabalhou com Franklin Cascaes por mais de uma década; é autor dos livros Vozes da Lagoa e Narrativas absurdas: verdades contadas por um mentiroso, autobiografia.

A sala de baile das bruxas: praia de Itaguaçu (Foto JCarlos 24122019)

A praia de Itaguaçu fica localizada na parte continental de Florianópolis. Segundo o Guia de Praias, “é uma praia de mar de baía, águas claras, areia média, de coloração amarelada e de pisar macio, contornada por praças e alguma gramínea silvestre, junto à faixa de areia”, porém, imprópria para banho, infelizmente. O nome vem do Tupi-Guarani e os índios Carijó a chamavam de Itaguaçu, que significa “pedra grande e redonda dentro d’água”, ou ainda, “cabeça de pedra dentro d’água”.

Vamos aos fatos, ou melhor às lendas:

O professor Peninha conta como surgiu a lenda das bruxas de pedra de Itaguaçu (Foto Diórgenes Pandini 17022022)

“Na verdade era um domingo a tarde, quente, lindo, daqueles domingos… duas horas da tarde. Chega uma jornalista chamada Carla Cabral pedindo ajuda, que ela queria fazer uma matéria, para teste, para a TVCom[1] e ela resolveu fazer uma matéria sobre o Boitatá do Morro do Rapa, lááá em Ponta das Canas.

– Ô Carla, tás brincando… O Boitatá só vai aparecer mesmo à noite… E não precisa ir lá, qualquer pessoa diz “este aqui é o Morro do Rapa”…

Prá colaborar com ela, acabei indo. Estamos no caminho – eu moro em São José – No caminho eu disse:

– Por que você não passa aqui em Itaguaçu, onde aconteceu uma festa da bruxas?

– E tem isso?

– Tem!

Daí resolveram passar. Quando a gente saltou ali, menino, era impressionante o que tinha de despachos no meio das pedras. Era muito despacho, aí eu fui criando a história, né? [A história] Começou a criar corpo.

Disse, então, aqui aconteceu uma festa em que o diabo transformou as bruxas todas em pedra. “Como assim?” Ah! A história é a seguinte: As bruxas fazem quatro encontros por ano, na passagem das estações. E cada vez que elas encontram, toda a caterva se encontra, o diabo está presente, elas prestam satisfação para ele do que elas fizeram e planejam o que elas farão nos meses próximos. E isso já tinha acontecido o evento delas lá, o sabá, e já estava no lusco-fusco amanhecendo, a maioria já tinha ido embora, mas umas ficaram ali pela praia, batendo papo, jogando conversa fora… E uma delas fazia parte da alta sociedade de Florianópolis, daí ela contou para as outras: “Ah, eu fui numa soirée, lá no clube, uma coisa muito linda… penteados… jóias… vestido longo…”, toda prosa, né? E as pobres, que nunca tinham ido a uma festa: Ai que vontade de ir numa festa dessas… A gente cobiça tanto uma festa assim tão bonita, né? Aí ela teve uma idéia: “Já sei. Nós vamos fazer uma festa destas prá nós. A gente convida os curupira, os caipora, toda gente, os vampiros, o bruxedo todo e a gente faz uma festa dessa prá nós…”

Só que aparece um problema; cada vez que elas se reúnem, o diabo está presente e ele é um estorvo, porque ele toma conta da coisa, fede muito a enxofre, e não seria nada elegante aos modos da festa que elas gostariam de fazer. “A gente não convida ele, simplesmente, a gente não convida ele”.

E assim foi feita a festa. A orquestra veio da lua, tava linda festa, linda, linda… Só que uma delas, invejosa, saiu de fininho, foi ao encontro do tinhoso, e fofocou: “Sabias que elas estão fazendo uma festa e não te convidaram porque tu fedes a enxofre?”

“…algumas bruxas tentaram correr, mas todas foram transformadas em pedra…” (Foto JCarlos 04012020)

Quando ele ouviu essa fofoca, ele aparece de repente no meio do bruxedo. Elas tentam correr, mas ele transforma todas elas em pedras.

E foi assim”.

Enquanto o professor Peninha contava como ele inventou a lenda, a secretária dele, no outro cômodo do casarão, falou ao fotógrafo Diórgenes Pandini: – Pronto! Ele já está aumentando a história…”

[1] Canal de televisão de Santa Catarina voltado para o público local. Jornalismo, entretenimento, variedades e esportes.