As lendas, ensinam os livros, são relatos que surgem da imaginação coletiva e são transmitidas oralmente através das gerações e têm como uma das características seu caráter fantástico. A história que vou contar surgiu da imaginação de uma pessoa, se transformou em lenda e “pegou”, ou melhor, foi difundida por estar em sintonia com uma dos slogans de Florianópolis que é “a Ilha da Magia”.

O Boitatá imaginado por Franklin Cascaes, a partir das histórias colhidas junto aos descendentes dos açorianos (Reprodução)
A lenda da Festa das Bruxas de Itaguaçu passou a constar nas antologias da mitologia junto com os ‘causos’ pesquisados por Franklin Cascaes, que resgatou as crendices populares trazidas pelos imigrantes açorianos há mais de 270 anos e que foram herdadas pelos descendentes deles, guardadas e transmitidas até chegar aos tempos atuais. O marketing turístico se apropriou dessas histórias e as incorporou ao “produto” Florianópolis com muito sucesso, sendo que as pedras de Itaguaçu e sua simbologia fantástica foram tombadas como Patrimônio Natural, Paisagístico e Cultural do Município em 2014.
Um resumo da lenda: As bruxas combinaram fazer uma festa sem convidar o tinhoso, que era uma pessoa inconveniente, fedia à enxofre e fazia com que todos os seus discípulos o beijassem no rabo em sinal de submissão. Ao saber da festa para a qual não foi convidado, o maligno se enfureceu e transformou as bruxas em pedra, para que ardam sob a luz do sol.
Na entrevista que fiz com o professor Gelci José Coelho, o Peninha, para uma matéria sobre turismo, ele contou como surgiu a lenda das bruxas de Itaguaçu. Antes, uma apresentação do professor e da praia de Itaguaçu: Formado em história pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), com especialização em museologia, artista plástico, ator e dramaturgo; trabalhou com Franklin Cascaes por mais de uma década; é autor dos livros Vozes da Lagoa e Narrativas absurdas: verdades contadas por um mentiroso, autobiografia.
A praia de Itaguaçu fica localizada na parte continental de Florianópolis. Segundo o Guia de Praias, “é uma praia de mar de baía, águas claras, areia média, de coloração amarelada e de pisar macio, contornada por praças e alguma gramínea silvestre, junto à faixa de areia”, porém, imprópria para banho, infelizmente. O nome vem do Tupi-Guarani e os índios Carijó a chamavam de Itaguaçu, que significa “pedra grande e redonda dentro d’água”, ou ainda, “cabeça de pedra dentro d’água”.
Vamos aos fatos, ou melhor às lendas:

O professor Peninha conta como surgiu a lenda das bruxas de pedra de Itaguaçu (Foto Diórgenes Pandini 17022022)
“Na verdade era um domingo a tarde, quente, lindo, daqueles domingos… duas horas da tarde. Chega uma jornalista chamada Carla Cabral pedindo ajuda, que ela queria fazer uma matéria, para teste, para a TVCom[1] e ela resolveu fazer uma matéria sobre o Boitatá do Morro do Rapa, lááá em Ponta das Canas.
– Ô Carla, tás brincando… O Boitatá só vai aparecer mesmo à noite… E não precisa ir lá, qualquer pessoa diz “este aqui é o Morro do Rapa”…
Prá colaborar com ela, acabei indo. Estamos no caminho – eu moro em São José – No caminho eu disse:
– Por que você não passa aqui em Itaguaçu, onde aconteceu uma festa da bruxas?
– E tem isso?
– Tem!
Daí resolveram passar. Quando a gente saltou ali, menino, era impressionante o que tinha de despachos no meio das pedras. Era muito despacho, aí eu fui criando a história, né? [A história] Começou a criar corpo.
Disse, então, aqui aconteceu uma festa em que o diabo transformou as bruxas todas em pedra. “Como assim?” Ah! A história é a seguinte: As bruxas fazem quatro encontros por ano, na passagem das estações. E cada vez que elas encontram, toda a caterva se encontra, o diabo está presente, elas prestam satisfação para ele do que elas fizeram e planejam o que elas farão nos meses próximos. E isso já tinha acontecido o evento delas lá, o sabá, e já estava no lusco-fusco amanhecendo, a maioria já tinha ido embora, mas umas ficaram ali pela praia, batendo papo, jogando conversa fora… E uma delas fazia parte da alta sociedade de Florianópolis, daí ela contou para as outras: “Ah, eu fui numa soirée, lá no clube, uma coisa muito linda… penteados… jóias… vestido longo…”, toda prosa, né? E as pobres, que nunca tinham ido a uma festa: Ai que vontade de ir numa festa dessas… A gente cobiça tanto uma festa assim tão bonita, né? Aí ela teve uma idéia: “Já sei. Nós vamos fazer uma festa destas prá nós. A gente convida os curupira, os caipora, toda gente, os vampiros, o bruxedo todo e a gente faz uma festa dessa prá nós…”
Só que aparece um problema; cada vez que elas se reúnem, o diabo está presente e ele é um estorvo, porque ele toma conta da coisa, fede muito a enxofre, e não seria nada elegante aos modos da festa que elas gostariam de fazer. “A gente não convida ele, simplesmente, a gente não convida ele”.
E assim foi feita a festa. A orquestra veio da lua, tava linda festa, linda, linda… Só que uma delas, invejosa, saiu de fininho, foi ao encontro do tinhoso, e fofocou: “Sabias que elas estão fazendo uma festa e não te convidaram porque tu fedes a enxofre?”
Quando ele ouviu essa fofoca, ele aparece de repente no meio do bruxedo. Elas tentam correr, mas ele transforma todas elas em pedras.
E foi assim”.
Enquanto o professor Peninha contava como ele inventou a lenda, a secretária dele, no outro cômodo do casarão, falou ao fotógrafo Diórgenes Pandini: – Pronto! Ele já está aumentando a história…”
[1] Canal de televisão de Santa Catarina voltado para o público local. Jornalismo, entretenimento, variedades e esportes.