A cerimônia está confirmada para o próximo sábado (amanhã) e não tenho dinheiro para dar um copo d’água para os convidados, que não foram convidados mas vão aparecer assim mesmo.
Meu casamento com Shirley Danusa era assunto na nossa estância (não era bagunçado para chamarem de cortiço). Os padrinhos – nossos patrões – pagaram as despesas do cartório, pois minha sogra só autorizou o casório se fosse de “papel passado”.
Sexta-feira, sete da noite, Tonicão, Pedro Bó, Silvinho e eu, sentados no meio fio fumando e dividindo uma “cuba libre” feita diretamente na garrafa de coca-cola. Perguntaram se estava tudo pronto para o casamento e eu disse, triste, que eu não tinha dinheiro para pagar uma rodada de cerveja para eles. Tentaram me consolar, dizendo que não tinha importância.
Aí o capeta mandou um agente seu para nos provocar. Da esquina veio caminhando uma vaca magra, parando a cada touceira de capim que encontrava nos cantos do meio-fio e mastigando o que podia pegar.
A ideia foi soprada (pelo capeta, repito) no ouvido do Pedro Bó:
– Olha o nosso churrasco vindo aí!
Olhamos para aquele animal esquelético e rimos da sugestão. Mas Pedro Bó insistiu.
– Vamos roubar essa vaca, levar para o sítio de um amigo meu. Lá ele mata a vaca, divide em pedaços – a gente paga o serviço com carne – e amanhã, depois do casamento, fazemos o churrasco. Cada um se vira com a bebida…
A ideia era boa, mas não era. Perguntei como levaríamos a vaca para o sítio do amigo do Pedro Bó. Quem achou a solução foi o Tonicão, que se lembrou da kombi velha que o tio dele recolhe recicláveis na região. Falou decidido:
– Segurem a vaca, não deixem ela fugir. Vou lá na casa do tio buscar a kombi.
Dez minutos depois estávamos os quatro tentando fazer com que a vaca entrasse na kombi. Nenhum de nós tinha jeito de vaqueiro. Um, de dentro do veículo, puxava o bicho pelos chifres e os outros três empurravam a bunda da vaca.
Assustada, a vaca empacou e não ia para frente nem para trás. Redobramos os esforços e, depois de vinte minutos de muito trabalho, conseguimos embarcar a condenada. Dois ficaram segurando a vaca, eu e o Tonicão fomos para a cabine.
Foi só o tempo do Tonicão virar a chave para ligar o veículo e, da mesma esquina que veio a vaca, surgiu uma rádio-patrulha. Um vizinho incomodado com o sequestro do bovino, chamou a polícia. Não teve conversa, explicação, nada. Fomos todos para a delegacia onde passamos a noite.
Ao sermos liberados, perto do meio-dia, ainda nos restava uma condição para sermos soltos: Tirar a vaca da kombi e devolvê-la ao dono.
Meu casamento, por pouco não aconteceu naquele dia. A vaca tinha se acomodado na kombi e não queria sair de jeito nenhum. Com muita vergonha fomos até a casa do dono dela, que com jeito e chamando pelo nome (Felícia) levou a sobrevivente do churrasco que não aconteceu.
[Crônica XXXIII – Baseada em fatos acontecidos na cidade de Duque de Caxias – RJ, na década de 1990]