27 de dezembro de 2024

Um golpe no xenofobismo

Por José Carlos Sá

Os mineiros inventaram a sirene da ambulância. Diz-que (Foto Luis War/Shutterstock // Imagem gerada por IA Designer Microsoft // Mixagem JCarlos)

Do nada, me lembrei de um fato que aconteceu quando estava no serviço militar, fazendo um curso no Rio de Janeiro. Na primeira fase éramos uma turma de aproximadamente 30 alunos, sendo 17 oriundos de Minas Gerais e os demais soldados de unidades locais da FAB. Eu, e mais uns seis, servíamos na Base Aérea de Belo Horizonte, os demais colegas mineiros eram da EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar), de Barbacena, e do Parque de Material Aeronáutico de Lagoa Santa.

Fomos para a Base Aérea de Santa Cruz, no subúrbio carioca de mesmo nome, onde havia um alojamento próprio para o CFC (Curso de Formação de Cabos) e o contato maior com o pessoal do Rio era somente durante as instruções.

Na fase de “especialização”, quando as turmas foram separadas, fui mandado para a Base Aérea do Galeão, onde houve a capacitação para atuar na área burocrática da Aeronáutica. Nessa unidade, o alojamento era dividido, por uma fila de armários, entre os alunos e com o pessoal que estava “de serviço”, escalado para os plantões de sentinela. 

Apenas para que se compreenda, os plantões de sentinelas são trocados a cada duas horas, então é um entra-e-sai, bate-porta-de-armário, xinga-o-cabo-do-dia, responsável pelo ir-e-vir. Resumindo é muito barulho.

Logo no começo, invariavelmente o pessoal da guarda entrava no alojamento – a qualquer hora da noite – gritando “acorda, mineiro!” ou “Uai, uai, uai, uai!” e outras bobagens, só pelo prazer de nos acordar.

Uma noite, ainda cedo, uma dessas guarnições de serviço chegou no alojamento disposta a não nos deixar dormir. Após o habitual “acorda, mineiro”, alguém começou a falar piadas com mineiros e os outros gargalhavam feito idiotas.

– Ô mineiro! É verdade que foi um mineiro que inventou a sirene da ambulância? Colocaram um mineiro em cima da ambulância e ele gritava “UAI, UAI,UAI,UAI,UAI,UAI…” 

– Ô mineiro! É verdade que para ver um mineiro correndo é só rolar um queijo morro abaixo?

– Ô mineiro! É verdade que o mineiro quando veio ao Rio comprou o [morro do] Pão de Açúcar?

– Ô mineiro! …

A certa altura aquela conversa encheu o saco e eu respondi que foi um mineiro quem inventou o avião, que Pelé era mineiro e etc. Mas o cara não parava de “ofender” a honra da mineirada. Foi quando eu apelei para um golpe baixo, que fez o cara se calar e tudo ficar em silêncio naquela noite.

– Os cariocas compraram o Tostão cego!

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“Tostão”, nascido Eduardo Gonçalves de Andrade, foi um dos maiores jogadores de futebol do Brasil, tendo atuado por muitos anos no Cruzeiro de Belo Horizonte e na Seleção Brasileira de 1970 – ano da conquista do tricampeonato mundial. 

Em abril de 1972, o jogador cruzeirense foi vendido para o Vasco da Gama, na maior transação futebolística-comercial da época, por 3,3 milhões de cruzeiros. Pouco tempo depois, em fevereiro de 1973, Tostão anunciou o final de sua carreira. Um deslocamento da retina ocorrido pelo impacto de uma bola chutada pelo adversário em 1969 e que foi se agravando. Para não ficar cego, o jogador optou por parar e o Vasco ficou no prejuízo.

[Crônica CXCII/2024]