24 de dezembro de 2024

A República vista do meu canto – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

Duarte Schutel, em um dos mandatos de deputado à Assembleia Geral do Imperio, em 1885 (Foto Arquivo Público de Sant Catarina/Reprodução)

Entre os objetos e textos que fazem parte da exposição “Federalismo – A revolução que abalou Santa Catarina”, que visitei no final de novembro (link), chamou minha atenção o banner com uma descrição da ação da tropa florianista, sob o comando do coronel Moreira César, que desembarcou em Desterro no dia 21 de abril de 1884: “(…) As praças, praias e ruas cheias de soldados estranhos, despejados pelos vapores, armados e equipados em campanha, de punhal e revólver, sôfregos, arrogantes, desabridos e insultantes (…)”

O texto citado é um pequeno trecho do livro “A República vista do meu canto”, de autoria de Duarte Paranhos Schutel, editado pelo IHGSC (Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina), onde eu recebi, por doação, um exemplar. O autor tem uma longa ficha biográfica, que resumirei assim: médico, jornalista, escritor e poeta, ligado às áreas científicas, políticas, administrativas, médicas e sociais.

Desempenhou várias funções públicas, civis e militares, tendo sido deputado na Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina em três legislaturas; deputado geral do Império; deputado estadual ao Congresso Representativo de Santa Catarina. Foi eleito vereador à Câmara de Desterro (1877) e vice-presidente da província de Santa Catarina, nomeado em 1878. Empresta seu nome a ruas em Florianópolis, Joinville e Blumenau.

Capa do livro de Schutel sobre os bastidores da repressão à Revolta Federalista (Reprodução)

O livro é uma espécie de diário, onde estão registradas não a anotação cotidiana íntima do autor, mas reflexões sobre os acontecimentos políticos e sociais no período de 15 de novembro de 1889 (data da Proclamação da República) até 5 de outubro de 1901, em Santa Catarina e no Brasil.

Afastado da política, Duarte Schutel parece assistir da janela de casa os fatos acontecendo diante de seus olhos. É extremamente crítico e não poupa ninguém. Faz uma descrição crua dos primeiros tempos do regime republicano e das mudanças a que algumas camadas da sociedade desterrense estavam tentando se adaptar, para não perder os privilégios que tinham desde o tempo do Império. 

O autor lembra que para o cidadão comum nada alterou com a mudança do regime. Continuou tendo que trabalhar para ganhar o seu pão de cada dia.

De Desterro a Florianópolis

Ao iniciar a leitura do livro e entender a proposta do autor, criei a expectativa de saber como foi sentida, entre a população, a mudança do topônimo de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis, pois essa alteração é uma lembrança indelével às pessoas das atrocidades – prisões, enforcamento, degola e fuzilamento – que os vencedores (florianistas e republicanos) impuseram aos vencidos (federalistas) e àqueles que os apoiaram, ou quem foi denunciado simplesmente por não contar com a simpatia dos membros do novo sistema.

Quando finalmente encontrei a passagem aguardada, a decepção substituiu a curiosidade. Duarte Schutel, se referindo à troca de nomes, escreveu de forma ligeira e indireta: “Vem de longe o tirano que mandou fazer o massacre, deu seu nome à terra ensanguentada da hecatombe e lá, vagueia por entre cemitérios que fez entulhar de mortos”. E só. Nem mais uma queixa própria ou de outrem.

Fora essa minha pueril reclamação, o livro é muito interessante ao ressaltar fatos como as perseguições políticas que continuaram, em muitos anos seguintes ao final da revolta; a confusão que foi o serviço público – especialmente na Alfândega – quando os funcionários antigos e experientes foram demitidos e no lugar deles colocados afilhados dos florianistas.

Um outro dado que chamou a atenção é que, para o autor, foram executados, na ilha de Anhatomirim ‘apenas’ 34 federalistas, tendo sido executadas mais algumas pessoas em lugares diversos, como no cemitério público municipal, hoje Parque da Luz.

 As observações de Schutel não são favoráveis aos homens que governaram Santa Catarina no período enfocado no livro: Lauro Müller, Manuel Joaquim Machado, coronel Antônio Moreira César e Hercílio Luz. Ele destaca as fraquezas de cada um.

A edição que li foi editada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 2002 e tem um aspecto curioso. O texto foi organizado pela professora Rosângela Miranda Cherem, a partir de manuscritos encontrados nos arquivos do IHGSC, em centenas de páginas manuscritas, com notas e apontamentos, que foram transcritas para o formato digital organizado cronologicamente, com notas de rodapé da editora para contextualizar alguns fatos citados no quase diário. 

O livro é daqueles que servem de inspiração para dezenas de pesquisas a partir dos fatos que narra e das personagens citadas. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Uma revolta de triste memória