21 de dezembro de 2024

Um corte misterioso

Por José Carlos Sá

Sugestão de ilustração feita pela I. A. Adobe Firefly, depois de ouvir a minha estória

Já há algum tempo optamos por comprar frango pré-cortado pela praticidade e também por não termos as habilidades de destroçar a ave da forma como deve ser, coxas, peito, asas, pescoço etc., mas sei tudo na teoria. 

O frango pré-cortado facilita a vida de todo mundo (Foto internet)

Outro motivo é a economia. Compramos já a quantidade adequada para três pessoas e não há sobras nem desperdício, o que acontecia anteriormente, quando alguns pedaços não eram aproveitados e iam para o lixo. Hoje não. A Marcela prepara o frango em várias receitas e não sobra nem o aroma para contar a história.

Quando estava no serviço militar, a comida nos quartéis onde servi (Belo Horizonte – MG, Santa Cruz e Galeão – RJ e Lagoa Santa – MG) não era essas coisas, mas também não era má. Uma vez ou outra, erravam na mão e o almoço ou o jantar ficava comprometido.

No Galeão, servimos de cobaia para a introdução da soja como substituto da carne. Ainda era novidade e minha alimentação ficou, várias vezes, restrita apenas ao arroz com feijão e salada. Fizeram um hambúrguer de soja que era “incomível”.

Um infográfico, aproximado, do pedaço de frango que colocaram na minha bandeja (Ilustra Internet/Edição JCarlos)

Já em Lagoa Santa, um dia em que foi servido frango, o taifeiro colocou em minha bandeja um pedaço que me impressionou por muito tempo. Vejam que o impacto foi tão grande, que até hoje, 40 anos depois do fato, ainda me recordo dos detalhes.

A porção de frango com que fui agraciado reunia, em um só naco, o pescoço, o peito, uma coxa, com a respectiva sobrecoxa, e a sambiquira, popularmente conhecida como sobre*u. 

Na mesa, olhei para a porção, virei-a para um lado, desvirei para o outro lado e fui separando cada parte para ter certeza do fato e não cometer o pecado de espalhar falso testemunho (há muitos anos não uso essa expressão). E constatei o ‘multicorte’ com que fui obsequiado, que reunia as partes retromencionadas, em um corte fora dos padrões culinários, seja dos ‘master chefs’, seja de um cozinheiro de garimpo.

Comi tudo – exceto o pescoço – pensando como se deu o destrinchamento da finada ave pelos taifeiros. Imaginei que um deles rolava o frango sobre a bancada e o outro, com um cutelo, dava golpes aleatórios sobre a carcaça. Um terceiro cozinheiro recolhia os pedaços e jogava na panela.

Só pode. 

[Crônica CLXXXVIII/2024]