Há alguns dias assisti uma antiga reportagem do jornalista José Hamilton Ribeiro em 2004, para o Globo Rural, com o violonista e violeiro mineiro Renato Andrade (1932-2005).
Na matéria, Renato, com seu jeito simples, conta que nos meios rurais é corrente a crendice de que para ser um bom tocador de viola o sujeito tem que fazer um pacto com o diabo. “E eu tive um encontro com ele, que me disse: “Renato, a minha viola é de ouro, se você tocar mais que eu, a viola é sua”. “E se eu não tocar?”. “Então eu te levo!”.
Na sequência mostrou a música que fez para derrotar lúcifer. Ao tocar o instrumento, Renato forma uma cruz com os braços para intimidar o capeta, ganhando a viola e mantendo a própria alma.
Esse causo, contado pelo Renato Andrade, lembrou outro parecido, narrado pelo meu pai, seu Zé Carlos.
Pai tinha em Teófilo Otoni um compadre chamado Claudevour (pronuncia-se “Claudevú”) que era vítima das brincadeiras dos colegas, mas que nunca se importou com as sacanagens que faziam com ele, como por exemplo, molhar o assento da cadeira quando ele se levantava ou esconder objetos fazendo o cara perder tempo procurando. Era uma turma de 5ª série formada por homens com mais de 30 anos.
Então essa história tem tudo para ter sido inventada, mas deixo a vocês a conclusão, afinal, “o contadô não dá parpite”.
Viola encantada
Claudevour comprou um violão, mas não tinha paciência para seguir o método do professor de música, em que se aprendem as notas, os acordes etc., para só depois começar a tentar tocar uma música (aliás, eu tive a mesma frustração).
Ao saber que era possível aprender a tocar o instrumento rapidamente, o compadre se animou, mesmo achando a coisa esquisita e perigosa. Ele teria que ir ao cemitério à meia-noite, invocar o tinhoso e pedir que ensinasse a tocar o violão.
Mas a vontade de sair à noite fazendo serenatas foi mais forte que o receio. Onze e meia, ele se dirigiu ao cemitério, subindo lentamente a ladeira que leva até a necrópole. Chegando lá notou que o portão estava fechado com correntes e cadeados e que o muro era alto para pular.
Pensou: “Aqui na porta do cemitério é cemitério” e ficou esperando o sino da matriz tocar as doze badaladas. Quando o badalo parou e só se ouvia o som do eco das pancadas no metal, Claudevour levantou o violão sobre a cabeça com as duas mãos e fez a invocação: “Ô seu satanaz, vim aqui pedir que o senhor me ensine a tocar violão!”
E ficou naquela posição aguardando a resposta, quando sentiu um forte sopapo no pé-da-orelha que o jogou para um lado e o violão para outro. Ainda catando cavaco, Claudevour desceu correndo o morro do cemitério só indo parar em casa.
No dia seguinte, mesmo sentindo vergonha e a dor da pancada, voltou ao cemitério para ver se encontrava o violão. O instrumento sumiu, e ninguém sabe se foi o próprio satã quem bateu no quase aluno e ficou com a viola como pagamento da lição.
[Crônica CLXIX/2024]