14 de outubro de 2024

Na fila do pão e no bar do Guimarães

Por José Carlos Sá

Para não passar vergonha, tenho o hábito de observar como são os usos e costumes de um lugar quando o visito pela primeira vez. Mas ontem não fiz isso. Entrei no final da tarde em uma padaria de outro bairro, onde eu já havia comprado em outros horários. Havia mais de dez pessoas entre o balcão e a porta de entrada, contornando um freezer de sorvetes. Estavam uma atrás das outras em formato de fila.

Dirigi-me a uma mulher que estava mais perto da entrada e perguntei: “A senhora está na fila?” Ela me olhou com um ar de superioridade, mostrou um pedacinho de papel na mão e respondeu secamente:  “Não! Eu tenho uma senha!” 

Agradeci humildemente, fui até o dispensador de senhas, apanhei a minha e aguardei na fila. Não teria ficado sem graça, se fosse menos afobado (ou agoniado, como diz a Marcela) e observasse as regras da panificadora.

Logo que cheguei a Porto Velho (RO), recebi dos colegas de trabalho várias dicas sobre os usos e costumes locais. Aprendi a evitar a malária; onde comer a melhor saltenha frita (J. Lima); onde tomar o melhor tacacá (Tia Inês), que eu não sabia o que era; onde comprar o pão mais gostoso (Padaria Resky), entre outras.

Na sessão “bar”, lembro de duas recomendações: “No bar do seu Bigode, não retire nunca a garrafa de cerveja vazia da ‘camisinha’, senão ele não te atende mais. No bar do Guimarães, não troque o nome dele, pois o portuga fica bravo”.

O Vasco me salvou

Se trocassem o nome ‘Guimarães’ por ‘Magalhães’, a briga estava arrumada (Imagem gerada por IA Dall-E3/Microsoft)

Sobre essa história da troca de nome, me contaram que os frequentadores do bar, de brincadeira, chamavam o dono de “Magalhães” e ele retrucava: “Magalhães é a *uta que o *ariu!”. Se quem fizesse a brincadeira fosse alguém desconhecido, a próxima cerveja servida seria quente, retirada do engradado direto para a mesa ou balcão. A pessoa então reclamava e recebia a resposta que para ele, todas as cervejas seriam servidas quentes.

Fizeram também propaganda do bolinho de bacalhau que o Guimarães servia. “É ele mesmo quem faz e é uma delícia! O melhor da cidade”.  Fui lá conferir, mas só lembrei das idiossincrasias do dono quando aguardava o atendimento sentado em um banquinho do balcão.

Pensava no tom de voz e nas palavras que usaria para não irritar o indócil botequeiro, vi as paredes do bar cobertas de pôsteres e flâmulas do time carioca Vasco da Gama. Pensei: “Pronto, resolvido”.

– Boa noite. O que o senhor deseja? Perguntou o seu Guimarães, limpando o balcão à minha frente com um pano.

– Boa noite. Estou vendo que o senhor é vascaíno. Meu pai também é e não perde um jogo do Vasco. Aquela flâmula ali (e apontei para uma bandeirinha na parede), tem uma igual lá em casa. Ele sorriu, mas não disse nada.

Fiz o pedido da cerveja e aguardei para ver se vinha gelada ou quente. Para meu espanto, a cerveja veio “estupidamente gelada”, “canela de pedreiro”, “vestido de noiva”, ”trincando”, “mofada”. A surpresa maior aconteceu quando ele colocou um pratinho na minha frente com um bolinho de bacalhau, e disse: “É por conta da casa!”

Meus colegas não acreditaram quando contei a história.

[Crônica CXLIII/2024]

Tags

Bar do Bigode Bar do Guimarães Crônica J.Lima José Carlos de Sá Malária Marcela Ximenes Padaria Resky Porto Velho Vasco da Gama 

Compartilhar

Comentários

  • Willian Sérgio Guimarães disse:

    Oi José Carlos, sou pai da Bárbara e filho do Guimarães. Achei muito legal sua crônica, e que me foi indicada pela minha filha. Só algumas informações complementares. Os famosos bolinhos de bacalhau eram feitos pela minha mãe e não pelo Guimarães. Eles eram servidos somente nas sextas-feiras. Minha mãe foi funcionária dos Correios por 38 anos, então não dava para ter jornada dupla todos os dias. Meu pai está vivo (graças a Deus) e com 90 anos e lúcido. Fez parte dos aventureiros em tocar um verdadeiro “botequim” às margens do Rio Madeira nos idos anos 60 do século passado. Relatos como esse, são importantes, porque resgatam lugares e nos fazem viajar por um lugar que não existe mais. Seria importante resgatar a memória de outros estabelecimentos como o “Te Guenta”, “Amarelinho”, “Jangadeiros”, “Bangalô”, “Bar do Canto”, “Café Santos” , etc. Entre tantas histórias de pessoas que ajudaram a desenvolver Rondônia, e que se encontravam nesses estabelecimentos para socializar e se divertirem, além de fazerem negócios e muitas vezes tomarem decisões importantes. Parabéns e forte abraço…

    • Muito obrigado, Willian, por sua gentileza. Também acho que precisam resgatar as histórias desses bares que você citou. Acredito que só o Bangalô é que foi citado em algumas crônicas de jornalistas de Porto Velho.

      Abraços,

      JCS

  • Obrigado, Bárbara, por acessar o Banzeiros. Se você tiver histórias relacionadas ao seu Guimarães e quiser compartilhar, agradeço.
    José Carlos Sá

  • Barbara disse:

    Cheguei no seu texto a partir de uma pesquisa aleatória sobre o bar do Guimarães!! E tive a boa surpresa de encontrar a sua crônica!! O Portuga Guimarães é meu avô

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*