Para não passar vergonha, tenho o hábito de observar como são os usos e costumes de um lugar quando o visito pela primeira vez. Mas ontem não fiz isso. Entrei no final da tarde em uma padaria de outro bairro, onde eu já havia comprado em outros horários. Havia mais de dez pessoas entre o balcão e a porta de entrada, contornando um freezer de sorvetes. Estavam uma atrás das outras em formato de fila.
Dirigi-me a uma mulher que estava mais perto da entrada e perguntei: “A senhora está na fila?” Ela me olhou com um ar de superioridade, mostrou um pedacinho de papel na mão e respondeu secamente: “Não! Eu tenho uma senha!”
Agradeci humildemente, fui até o dispensador de senhas, apanhei a minha e aguardei na fila. Não teria ficado sem graça, se fosse menos afobado (ou agoniado, como diz a Marcela) e observasse as regras da panificadora.
Logo que cheguei a Porto Velho (RO), recebi dos colegas de trabalho várias dicas sobre os usos e costumes locais. Aprendi a evitar a malária; onde comer a melhor saltenha frita (J. Lima); onde tomar o melhor tacacá (Tia Inês), que eu não sabia o que era; onde comprar o pão mais gostoso (Padaria Resky), entre outras.
Na sessão “bar”, lembro de duas recomendações: “No bar do seu Bigode, não retire nunca a garrafa de cerveja vazia da ‘camisinha’, senão ele não te atende mais. No bar do Guimarães, não troque o nome dele, pois o portuga fica bravo”.
O Vasco me salvou

Se trocassem o nome ‘Guimarães’ por ‘Magalhães’, a briga estava arrumada (Imagem gerada por IA Dall-E3/Microsoft)
Sobre essa história da troca de nome, me contaram que os frequentadores do bar, de brincadeira, chamavam o dono de “Magalhães” e ele retrucava: “Magalhães é a *uta que o *ariu!”. Se quem fizesse a brincadeira fosse alguém desconhecido, a próxima cerveja servida seria quente, retirada do engradado direto para a mesa ou balcão. A pessoa então reclamava e recebia a resposta que para ele, todas as cervejas seriam servidas quentes.
Fizeram também propaganda do bolinho de bacalhau que o Guimarães servia. “É ele mesmo quem faz e é uma delícia! O melhor da cidade”. Fui lá conferir, mas só lembrei das idiossincrasias do dono quando aguardava o atendimento sentado em um banquinho do balcão.
Pensava no tom de voz e nas palavras que usaria para não irritar o indócil botequeiro, vi as paredes do bar cobertas de pôsteres e flâmulas do time carioca Vasco da Gama. Pensei: “Pronto, resolvido”.
– Boa noite. O que o senhor deseja? Perguntou o seu Guimarães, limpando o balcão à minha frente com um pano.
– Boa noite. Estou vendo que o senhor é vascaíno. Meu pai também é e não perde um jogo do Vasco. Aquela flâmula ali (e apontei para uma bandeirinha na parede), tem uma igual lá em casa. Ele sorriu, mas não disse nada.
Fiz o pedido da cerveja e aguardei para ver se vinha gelada ou quente. Para meu espanto, a cerveja veio “estupidamente gelada”, “canela de pedreiro”, “vestido de noiva”, ”trincando”, “mofada”. A surpresa maior aconteceu quando ele colocou um pratinho na minha frente com um bolinho de bacalhau, e disse: “É por conta da casa!”
Meus colegas não acreditaram quando contei a história.
[Crônica CXLIII/2024]