No período de 32 anos em que morei em Rondônia, nunca fui a um garimpo. Passei por “fofocas” (aglomerações) de balsas e dragas enquanto viajava pelo rio Madeira, ou de ônibus, atravessando as ‘currutelas’ (vilas de apoio aos garimpos) ao longo das BRs 364 (Porto Velho – Vila Abunã) e 425 (Vila Abunã – Guajará-Mirim).
Por tudo que eu lia nos relatórios oficiais e jornais, mais o que ouvia contar, o garimpo para mim era uma área muito perigosa e, por isso, sempre mantive uma respeitosa e grande distância dele.
Lendo o livro “Território dourado“, do preclaro jornalista Montezuma Cruz, me lembrei de fatos em que tive participação ou conhecimento, relacionadas a garimpos. Vou contar três causos dos quais me lembrei.
Folha de papel
Um conhecido me contou que estava indo de ônibus para Guajará-Mirim, onde fiscalizaria uma obra que a empresa em que trabalhava estava construindo na cidade. Na parada da “rodoviária” da localidade de Periquitos, às margens da BR-425, próximo à foz do rio Ribeirão, começou uma confusão em um bar do outro lado da estrada.
Do bar saiu um homem correndo em direção ao ônibus, enquanto dois outros o perseguiam atirando com revólveres. Aquele que estava sendo perseguido, revidou aos tiros e os passageiros ficaram em um fogo cruzado. Aos gritos, se jogaram no chão do veículo, mas o meu informante se manteve sentado na poltrona em que viajava, impassível.
– Sai daí! Deita!” Gritaram para ele os apavorados colegas de viagem.
– Não vai adiantar nada. Se eu tiver que morrer não é a “parede” do ônibus, da espessura de uma folha de papel, que vai parar a bala!
Vou prender o senhor
Em uma manhã de outubro de 1987 eu estava iniciando o meu expediente no Departamento de Comunicação do Governo de Rondônia, quando o fotógrafo Rosinaldo Machado chegou esbaforido.
- Zé! Zé! Vem comigo. O Exército e a Marinha estão tirando os garimpeiros do rio Madeira. Já tem um monte de garimpeiros presos e as balsas estão sendo rebocadas para a margem.
O meu espírito de repórter me fez acompanhar o Machado até o local da operação. A concentração dos soldados era onde os carros atravessavam o rio Madeira por uma balsa. Havia centenas de militares fardados com uniforme de campanha, armados com fuzis FAL, e eu me dirigi a eles.
Identifiquei o comandante da operação, general de Brigada João Saraiva de Castro, e fui conversar com ele. Depois fiquei por ali tentando falar com um dos detidos. Um jovem tenente, muito imbuído de suas funções de combatente, ameaçou-me duas vezes de prisão, caso eu insistisse em entrevistar os presos.
Por uma questão de preservação da minha ‘integridade física’, chamei o Machado e resolvi ir embora. Mais tarde recebi uma ligação de um repórter do jornal Estado S. Paulo e passei as informações sobre a operação do Exército. A nota saiu no jornalão na edição de 20 de outubro de 1987.
O enforcado
Atravez de um amigo comum, fiquei conhecendo um casal de irmãos que estava investindo no garimpo da Serra “Sem Calças” (uma paródia ao garimpo da Serra Pelada, no Pará), no município de Jaru. Ela ia a Manaus comprar o “azougue”, metal que cientificamente chama-se mercúrio, para revender aos garimpeiros.
Abrem-se parênteses. Para quem não está a par das atividades garimpeiras, o mercúrio é usado para purificar o ouro. Os garimpeiros misturam esse metal às fagulhas (pedacinhos de ouro), queimam o amálgama com um maçarico, fazendo com que o mercúrio evapore e só fique o ouro propriamente dito. Os vapores e os resíduos do mercúrio são prejudiciais à saúde do homem. Parênteses fechados.
Voltando à história. Já o irmão era “orêia seca” no garimpo. Trabalhava como carregador – morro acima – de vasilhames contendo óleo diesel, da entrada da mina até onde ficava o maquinário do patrão dele. O cara se revezava com um colega e ambos dormiam em uma barraca bem precária: uma lona suspensa por cordas, em colchonetes colocados sobre estrados de varas.
Em uma manhã, na subida da ladeira carregando a sua carga, o sujeito viu o colega dele encostado à uma árvore, o cumprimentou com um aceno de cabeça, estranhando que ele não estivesse na barraca dormindo, pois tinha trabalhado a noite toda.
Ele foi até o local onde deixava o combustível e retornou para buscar nova carga. O parceiro dele estava no mesmo lugar. Se aproximou para perguntar se estava tudo bem e, só ao se aproximar, viu que o homem estava pendurado em uma corda pelo pescoço.
Seguindo a “lei do garimpo”, fingiu que estava tudo normal e continuou trabalhando normalmente.
O garimpo continua a ser praticado no rio Madeira com as autoridades ora autorizando, ora proibindo. A dúvida que tenho há muito tempo é se o garimpo é real ou uma grande lavanderia de dinheiro adquirido em “você-sabe-o-quê”.
[Crônica CXXVI/2024]