
“Ela” nunca apareceu para ninguém, muito menos para mim. Mas eu tinha um medo danado dela (Imagem criada por IA – Copiloto/Microsoft.Com)
Gosto muito da cidade do Rio de Janeiro, de suas paisagens maravilhosas e dos fatos históricos que aconteceram lá, além de ter servido de cenário para as narrativas feitas por autores que são o que há de melhor na literatura brasileira .
Minha admiração não se prende a locais carimbados como “turísticos” – Pão de Açúcar e Corcovado, pois o meu medo de altura impede que eu fique à vontade naqueles lugares para apreciar a vista lá de cima.
No curto período em que morei no Rio de Janeiro, no final dos anos 1970, descobri uma paisagem de grande beleza e que não demandava que eu saísse do meu trabalho para visitá-la. Era só olhar para o outro lado da rua.
Eu fazia um curso na Base Aérea do Galeão, na Ilha do Governador, e negociava com os colegas para que o meu turno de sentinela no Posto Sete coincidisse com o horário, “quarto de hora”, das quatro às seis da manhã.
Assim, eu ia para o posto na madrugada, e de lá, via os pescadores saindo para o trabalho. Eu mais os adivinhava do que via. Era uma luzinha marcando a proa do barco e as silhuetas dos tripulantes mais escuras que o fundo da paisagem, que era a cidade de Niterói do outro lado da Baía da Guanabara.
Depois eu acompanhava a nuance na mudança das cores do céu, o aumento do movimento da rua que separava o quartel do mar e as luzes se apagando lá do outro lado, à medida que a manhã avançava.
Fim do idílio
Eu ficava extasiado com essa minha reserva particular de beleza. Nunca contei a meus colegas a razão da minha preferência pelo Posto Sete, em detrimento de outros postos mais agradáveis, com lugar para sentar (apesar de proibido), por exemplo.
A área que eu deveria vigiar – ao invés de olhar a paisagem – era uma faixa de uns 250 metros, entre o muro baixo que dava para a Estrada do Galeão, limitado de um lado pela casa do ministro da Aeronáutica e de outro pela entrada principal da base aérea. Olhando para fora, eu tinha às minhas costas um série de galpões, então abandonados, onde outrora funcionam os hangares das companhias aéreas Pan-Am e Panair, e, antes ainda, uma fábrica de aviões (Fábrica de Aviões do Galeão, 1938-1965).
Tudo ia bem até um dia quando comentei com o cabo armeiro, responsável pelo armamento e munição usadas quando em serviço, que o lugar que eu mais gostava no quartel era o Posto Sete, pela “energia” do lugar, destaquei.
Ele, sem a intenção de me amedrontar – acredito -, disse que também gostava de lá e contou que ali era muito movimentado antes da mudança para o atual aeroporto internacional Tom Jobim. “Era tão movimentado até que uma aeromoça suicidou-se ali”.
Pronto! Acabou minha alegria.
Se antes eu negociava para ficar de sentinela no Posto Sete, agora, até pagava ($) para ir para qualquer outro lugar. Quando não conseguia, passava as duas horas de plantão ao lado da entrada principal do quartel, onde havia sentinelas 24 horas por dia.
Nunca me apareceu nada, nem alma, nem ouvi gemidos e urros, mas na minha cabeça tudo estava lá. Eu estava cercado pela assombração da comissária, que eu via no farfalhar das folhas dos coqueiros e até no vapor que saia da minha boca em noites frias.
Credo-em-cruz!
[Crônica XCII/2024]