Ela trabalhava na mesinha no canto do quarto, enquanto o marido dormia na cama do casal. Perto de uma hora da manhã, pensou ter ouvido um barulho vindo de umas caixas que estavam ali perto.
Imaginando que era um rato (começaram a aparecer desde que um vizinho se mudou e deixou a casa cheia de lixo), e para evitar acordar o cônjuge, foi trabalhar na sala.
Às seis horas da manhã deu por encerradas as tarefas e foi tomar banho para dormir. Ao abrir a porta do quarto viu uma cobra esticada no chão ao lado da cama. O grito de espanto foi involuntário e saiu mais alto do que queria.
– Zééééééééé! Não se mexa!
O marido, assustado – e naquele estágio nem-dormindo, nem-acordado – se sentou na cama, sem saber o que era. A cobra também se assustou e ficou em posição de defesa – que no caso das cobras, é de ataque.
– Fique na cama… Não se mexa… Tem uma cobra no nosso quarto, disse, nervosa.
O grito acordou os demais moradores, que se acotovelavam atrás dela para saber o que estava acontecendo.
– Fulano, pegue uma vassoura, aquela mais dura, disse para um dos curiosos. Corra, é uma cobra venenosa!
A mulher jogou a vassoura ao marido – que permanecia paralizado sobre a cama, como o personagem do Benedict Cumberbatch, no filme Veneno (Wes Anderson, 2023) -, e disse para que ele imobilizasse a serpente, porém sem descer da cama, para não ser picado.
Após a manobra para detenção da víbora, uma jararaca (Bothrops jararaca), um enxadão de jardim, cego e enferrujado, foi usado para matar o ofídio. Ao se desfazer do cadáver, a mulher disse alto: “vamos jogar aqui (no mato) para que os parentes dela saibam o que vai acontecer se entrarem nessa casa”.
E nenhuma cobra mais se atreveria a perturbar o sossego daquela família. Será que tiveram sossego depois?
[Crônica LXXXVIII/2024]