15 de abril de 2024

Pior que a morte

Por José Carlos Sá

Na crônica “Isso sim é rídiculo”, na Folha (13/4), o escritor Antonio Prata cita uma pesquisa em que as pessoas afirmaram ter mais medo de apresentação em público do que da morte. É o caso dele, que pegou um voo de teco-teco que chacoalhava mais do que tudo, e sentiu medo. Mas nada parecido com o pavor de apresentar um projeto após ter conseguido sair vivo do avião. 

Ao ler a crônica lembrei de ter tido uma experiência de “quase morte” em junho de 1999, quando fui representar o Estado de Rondônia no I Foro de Integración Bolívia-Brasil, promovido pela Câmara do Comércio Brasil-Bolívia, em La Paz, capital boliviana. O convite foi dirigido ao governador de Rondônia, que delegou ao vice-governador representar o Estado.

Uma semana antes do evento, fui chamado ao gabinete do vice-governador e recebi a missão de ir para a Bolívia e falar, em nome do Estado, sobre as vantagens recíprocas com a saída de produtos de Rondônia para os mercados do Oceano Pacífico, via Bolívia e Peru ou Chile.

Argumentei que eu nunca havia feito nenhuma palestra e que não falava espanhol. O chefe contra-argumentou que eu dominava o assunto, pois escrevia matérias e discursos para ele há muitos anos. Sobre falar em público era simples, eu devia imaginar que estava falando para meus colegas de sala de aula. Quanto a falar espanhol, ele aconselhou-me para que falasse devagar e não me preocupasse, pois a maioria não entenderia nada do que eu diria.

Fui para La Paz como quem vai para o carrasco – como na música Geni e o Zeppelin. Ao chegar ao aeroporto de El Alto, descobri que minha bagagem fora extraviada. Toda a segurança e autoconfiança adquiridas desde que recebi a missão, desvaneceram-se na madrugada de dois graus negativos.

Perdi a abertura do evento, pois saí para comprar paletó, camisas, cuecas e gravata para restaurar o que perdi. Fora pente, escova de dentes, creme dental.  

A mesa no painel em que fui um dos palestrantes. A partir da esquerda, Serafim Carvalho, da Federação das Indústrias do Mato Grosso; ao microfone, Zeca do PT, então governador do Mato Grosso do Sul; Marcelo Palma, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Bolívia e eu (Foto Revista Comércio – Ago 1999/Reprodução)

A minha palestra seria no segundo dia do evento e consegui me acalmar até lá. Dediquei a fazer um novo roteiro para a apresentação. No dia, segui as orientações do chefe, me saindo razoavelmente bem, tendo inclusive respondido às perguntas dos participantes.

Dentre aqueles que fizeram questionamentos havia um funcionário do governo boliviano que meses depois me procurou em Porto Velho para realizar o estudo de impacto econômico, e verificar se o que eu havia dito na palestra era viável para o país dele.

Recebi a mala de volta quinze dias depois do meu retorno ao Brasil. Ela havia ficado em São Paulo, depois foi levada para a Bolívia – até o hotel em que havia me hospedado – e voltou para Porto Velho. Bestamente eu não processei a Vasp, pois me contentei em ter recuperado um livro que havia levado junto com minhas roupas.

[Crônica XVIX/2024]

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