Apesar de ter sido contemporâneo do movimento cívico-militar (eita!) que derrubou o presidente João Goulart do poder, não tenho – e ninguém pode ter – a pretensão de dizer que sabe muito sobre o assunto. Sessenta anos se passaram daquele 31 de março de 1964 e novos fatos – acontecidos à época – surgem fazendo com que a História do Brasil seja atualizada, ora pendendo para os vencedores, ora para os derrotados.
Aproveitei essa data “redonda” para me atualizar com o que aconteceu naqueles dias onde a desinformação – ao contrário de hoje – era por real falta de conhecimento e não para desviar o foco do principal.
Como meios de comunicação existiam as rádios – as mais ágeis na difusão de informações -, a tevê incipiente e restrita aos grande centros, o jornal impresso, com as limitações que lhe são próprias, e o telefone, que era o menos confiável pela instabilidade do sistema (sim, o “sistema” já existia!).
Para esta atualização tive uma profusão de matérias publicadas e republicadas pela Folha de S. Paulo, Estadão, O Globo e Estado de Minas, além de ter recebido os dois primeiros capítulos do livro “A máquina do golpe – Engrenagens militares e apoio externo: 1964: Como foi desmontada a democracia no Brasil”, da professora mineira Heloisa Starling.
Do muito que não sei, destaco dois episódios que encontrei nestas leituras de evocação do passado ligado ao contexto de março/abril de 1964 e que são notas de rodapé dos livros de História.
No primeiro caso, que encontrei menção no texto d’A máquina do golpe, o comandante da Base Aérea de Santa Cruz, coronel Ruy Moreira Lima, por vontade própria e desarmado, decolou do Rio de Janeiro e sobrevoou duas vezes as tropas mineiras que seguiam de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro.
Encontrei a entrevista com o coronel na Folha de 4 de abril de 2004. Ele conta que “foi só gente caindo, correndo, caminhão saindo da rota…” Na segunda passagem foi pior, os soldados abandonaram a coluna com medo de bombardeio. A conclusão que chega hoje é que o coronel Moreira Lima poderia ter impedido que o golpe ocorresse. Mas essa conclusão é de agora, distante do calor da hora.
As tropas rebeladas, comandadas pelo general Mourão, ao chegarem à cidade fluminense de Areal, encontraram as tropas legalistas enviadas para combatê-las. Após uma breve conversa entre as duas partes, legalistas e golpistas seguiram abraçados para depor o presidente da República.
Frota de guerra
Uma outra coisa que eu tinha conhecimento, mas através de insinuações, sem nunca ter lido nada substancial, foi com relação à ajuda do governo norte-americano aos revoltosos. Li muito sobre a atuação do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, à época, Lincoln Gordon, que foi extremamente envolvido com as etapas da preparação da deposição de João Goulart. As atividades do diplomata começaram em 1961 e ele só foi embora em 1966, quando o movimento já estava consolidado.
Gordon foi tão eficiente que conseguiu autorização do presidente Lyndon Johnson para a operação “Brother Sam”, que consistia no envio de ajuda em dinheiro, combustível e armas aos revoltosos, além de uma força de guerra ostensiva, que não pretendia atacar o Brasil, mas apenas “mostrar força, mostrar a bandeira”.
Essa força de dissuasão – se pode ser chamada assim – era formada pelo porta-aviões USS Forrestal, um porta-helicópteros e seis destróieres da Segunda Frota, além de quatro petroleiros, de sete aviões C-135, oito aviões de abastecimento, um de apoio e socorro aéreo, oito caças, um avião de comunicações, um posto de comando aerotransportado, armas e munição. Não havia previsão do desembarque de tropas. Todo mundo estava no Vietnã.
Sem resistência – não havia nenhum esquema anti-insurrecional -, os revoltosos tomaram o poder e os navios e aviões de guerra foram dispensados. A ajuda, a partir de então, foi reforçar o combate ao comunismo, que a escritora Heloísa Starling explica o porquê: “Sobrou um lote de medo que ficou encravado na imaginação da sociedade. A combinação executada por Getúlio Vargas entre censura, tortura, violência policial e propaganda ideológica firmou os alicerces de um imaginário anticomunista que irá assombrar o Brasil a partir de então, como recurso ativo e onipresente de deslegitimação democrática – que continua produzindo efeitos ruinosos na contemporaneidade” .
Sempre gostei de saber como as coisas aconteceram e entender o presente. E esse assunto ainda promete, pois nem tudo que aconteceu durante os 25 anos do regime militar vieram à tona.
[Crônica XLI/2024]