Ao demonstrar sua má educação subindo na mesa de jantar e lambendo o molho da macarronada, o gatinho salvou toda família.
Antes que ralhassem com ele para que descesse da mesa e o enxotassem para fora, o bicho começou a se debater, a dar miados arrepiantes. As sete vidas dele foram saindo uma a uma, sem deixar tempo para um leite morno ou uma respiração boca-a-boca.
As crianças de tão apalarmadas não conseguiam chorar, os adultos olhavam para o cadáver do gato e para os outros presentes. Era evidente que o bichano provou o veneno que era destinado a um deles.
O marido estava suspeitando da esposa, que adquiriu o tique nervoso de enxugar as mãos secas no avental. Os tios e primos que haviam sido convidados para o jantar achavam que o veneno era para eles.
Todos suspeitavam de todos e os motivos eram dois: a aquisição de um bom seguro de vida para o caso de morte acidental e a notícia da herança de uma tia-avó desconhecida, que teria deixado uma fortuna para a família.
A polícia fez o trabalho de investigação do local do crime, recolheu o cadáver do gato para perícia e chamou todos à delegacia para prestarem depoimentos. Enquanto o laudo era aguardado, ninguém deveria sair da cidade.
Estes dias foram os mais terríveis. Ninguém dormia direito, ninguém comia nada que fosse preparado por outra pessoa.
O veneno foi um reles raticida, comprado no supermercado na prateleira de itens com o prazo de vencimento quase esgotado.Contrariado com a decisão da família de ser internado em um asilo para velhos, eufemisticamente chamado “casa de repouso”, o vovô resolveu dar cabo dos ingratos.
O plano havia sido arquitetado em minúcias, mas o fator imprevisto foi a gula do gato, e ao invés da clínica de repouso o vovô acabou indo para a cadeia.
[Crônica XXI/2024 – Texto baseado em fatos ocorridos na Itália e publicado no jornal O Guaporé, de Porto Velho (RO), em 23 de fevereiro de 1990]