Estou morto e não sabia.
Pois é, minhas amigas, meus amigos. Fui declarado morto à revelia por uma causa que desconheço. Como não se pode escolher de que forma morrer, exceto no suicídio, eu sempre imaginei que morreria de susto, de bala ou vício, como vaticinou Caetano Veloso.
No entanto, a minha morte foi pura e simplesmente decretada em uma só frase: “A partir de hoje ele, para mim, morreu!”
Quando soube que fora declarado oficiosamente morto – já que não houve atestado de óbito, a viúva não foi informada e nem o próprio defunto foi participado do passamento – senti um frio estranho.
A frase condenatória foi dita há cerca de quatro anos, mas eu, o principal interessado, só soube agora e, com isso, passei a ocupar a minha insônia diária a pensar: o que aconteceria se soubesse antes que estava morto? será que a minha vida teria sido diferente? Decerto eu não teria feito algumas besteiras ou as teria feito com mais competência.
Mas o estranho mesmo não é olhar para trás e pensar no que poderia ter feito, mas na estranha sensação de estar vivo-morto para uma pessoa. Será que a condenação à morte foi para valer ou em um momento de raiva e estresse?
Outras perguntas pairam na minha cabeça. Será que no Além a minha alma já está no banco dos réus da Eternidade ou estaria flutuando sem rumo no Nada, ou, ainda, na estação do Vale dos Ventos* aguardando um trem para o Purgatório?
Penso ser uma alma penada nesse mundo e devo, até por descargo de consciência, aparecer para quem mandou-me para a “outra vida” e verificar a sua reação; se houver surpresa, sei que estou realmente morto. Caso contrário, não acontecendo nada, não provocando nenhum efeito, aí é que não sei o que pensar!
*Vale dos Ventos – Um dos círculos do Inferno, segundo Dante Alighieri na Divina Comédia
[Crônica XV/2024 – Texto original publicado no Diário da Amazônia – Porto Velho (RO), em 13 de agosto de 1995]