25 de outubro de 2023

Santana do Estreito, uma fortaleza ofuscada pela ponte Hercílio Luz

Por José Carlos Sá

Há muito tempo planejávamos visitar a Fortaleza de Sant’Anna do Estreito, que fica praticamente embaixo da ponte Hercílio Luz. Apesar de se localizar no centro da cidade e passarmos na porta da fortaleza, sempre tinha um porém que impedia a visita. No domingo (22), ao sairmos de casa para um compromisso, inclui uma parada na antiga fortificação colonial. A ponte Hercílio Luz – cartão-postal de Florianópolis – foi construída ao lado do forte e, mesmo sem querer, fez com que a construção militar ficasse servindo apenas como moldura para a “Velha Senhora”, como a ponte é conhecida por aqui.

Levantamento, planta e corte do Forte de Santana do Estreito, atribuído a José Custódio de Sá e Faria, e realizado provavelmente entre 1754 e 1760 (Arquivo Iphan-SC)

Planta do Forte levantada em 1882 (Arquivo Iphan-SC)

O Forte de Santana do Estreito foi construído em 1763 (ou 1765) pelo quarto governador de Santa Catarina, o capitão de Dragões Francisco Antônio Cardoso de Meneses e Sousa (1762-65), seguindo as recomendações do Marquês de Pombal – primeiro-ministro de Portugal -, que enviou um especialista para avaliar as defesas da Ilha de Santa Catarina e concluiu a necessidade de reforço, “caso as fortalezas da barra norte da Ilha fossem ultrapassadas, a Vila de Nossa Senhora do Desterro (atual Florianópolis) ficaria sem defesa ante o invasor”, justificou o tenente-coronel José Custódio de Sá e Faria.

A partir da esquerda: paiol, palamenta, corpo da guarda (e entrada), quartel dos oficiais, cozinha e quartel dos soldados (Foto JCarlos)

Mais modesta que as demais fortalezas existentes na região da Ilha, o Forte de Santana, quando construído, tinha como arsenal dez canhões, sendo quatro deles de bronze: um de calibre 8 libras e três de calibre 6 libras; e seis canhões de ferro, todos de calibre 12 libras. A muralha tinha (e ainda tem) 1,20m de espessura separada das instalações por uma plataforma.  O conjunto de prédios  geminados abrigava o paiol de pólvora, casa da palamenta (onde se guardavam os equipamentos usados pela artilharia), corpo da guarda, quartel dos oficiais, cozinha e quartel dos soldados, além de um baluarte voltado para o continente e para a baía norte.

Faltam informações contextuais

O local foi reformado recentemente e devolvido ao público. Mas além de uma placa logo na entrada com a planta e a que era destinado cada uma das dependências, e das maquetes das fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, de Santo Antônio de Ratones, de São José da Ponta Grossa e da própria Santana do Estreito, nada mais há sobre a história do local.

Os canhões que compõem o cenário não são, necessariamente, os originais que guarneciam a fortaleza (Foto JCarlos)

Pesquisando aqui e acolá, destaco os seguintes fatos relacionados à pequena Fortaleza de Santana ou Sant’Anna, conforme foi registrada pelos portugueses: Ali desembarcou D. Pedro I, em 30 de novembro de 1826, numa breve visita à cidade de Desterro, em demanda para o Rio Grande do Sul (Portal Floripacentro). Outro imperador que visitou o local foi D. Pedro II, em 1º de novembro de 1845, quando a Corte passou quase um mês entre Desterro, São José, Santo Amaro da Imperatriz e Águas Mornas (também do Portal Floripacentro).

Sob o ponto de vista militar, foi do forte do Estreito a única reação aos insurretos da Revolta da Armada e Revolução Federalista em 1893. O comandante da guarnição, 1º tenente José Cândido da Silva Muricy, prevendo o bombardeio da cidade (que realmente aconteceu), mandou recolher os velhos e obsoletos canhões que estavam em diversos pontos da vila sendo usados como enfeites e os instalou nas muralhas, abrindo fogo contra o Cruzador República e o Vapor Pallas (um cargueiro armado “requisitado” pelos revoltosos), que estavam fora do alcance da bateria. Com a reação dos dois vasos de guerra, o comandante mandou cessar fogo e se entregou junto com a guarnição.

Imagem do local antes da reforma, em data desconhecida (Foto arquivo Katana/via Facebook)

Mais uma foto de arquivo, antes da restauração do Forte (Katana/via Facebook)

Depois desse episódio,  a fortificação entrou em declínio e foi desativada como estrutura de defesa em 1907. Passou por diversos usos, entre eles, como Escola de Aprendizes Marinheiros,  Companhia dos Inválidos, serviço de Polícia do Porto e estação meteorológica do Ministério da Agricultura. Depois foi usado como moradia de famílias sem-teto. Foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1938 e restaurado a partir de 1969.

Museu de Armas

O Museu de Armas, que pertence à Polícia Militar de Santa Catarina, está fechado para reformas (Foto JCarlos)

A fortaleza está sob a responsabilidade da Polícia Militar desde 1985, e tem como anexo o Museu de Armas Major Lara Ribas. O museu está fechado desde 2018 para manutenção, por “orientação” do Ministério Público de Santa Catarina . Informalmente fui informado pelo militar em serviço no local, que o edital de licitação para a reforma foi publicado recentemente e a previsão de reabertura do local é em três anos.