O nosso passeio à regiãos dos cânions entre o sul de Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul só foi cumprido em parte. Tivemos problemas com o carro e com o clima, mas mesmo assim conseguimos visitar o cânion Índios Coroados, que fica perto de Praia Grande, cidade catarinense onde ficamos hospedados. Também fizemos o primeiro estágio da Trilha do Cânion Malacara, uma caminhada pelo leito do rio de mesmo nome. Não fomos adiante por duas razões: era preciso contratar um guia e vimos que não teríamos condições físicas de cumprir a jornada. Meus joelhos estão bichados e a Marcela torceu o pé há algum tempo e ainda sente dores dependendo o terreno em que pisa e a trilha é sobre seixos rolados de todos os tamanhos e que não permitem uma caminhada regular.
Fomos ao mirante do cânion Índios Coroados no final do dia e foi possível ver a beleza do despenhadeiro, com cachoeiras caindo dos paredões de pedra. Bem no horizonte é possível avistar o mar, lá longe.
Até os bebês morrem
O nome “índios coroados” foi dado pelo colonizador português a todos os povos indígenas encontrados no Brasil que usassem algum arranjo de penas na cabeça ou mesmo um penteado que lembrasse a coroa dos reis deles. Onde se localizam hoje os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e um pedaço de São Paulo, viviam os indígenas caigangues, que foram chamados de “coroados” pelos portugueses, daí o nome do acidente geográfico.
No dia em que planejamos visitar o canion Itambezinho, na vizinha cidade de Cambará do Sul (RS), nosso carro deu prego logo no começo da subida da montanha. Voltamos para a cidade e fomo a uma oficina. O mecânico foi preciso no diagnóstico e apontou o problema na válvula termostática. “Vejo que a válvula é nova, mas já deu problema… É assim mesmo. Até criança recém nascida morre…” Evitamos comentar a metáfora. Deixamos o carro lá e voltamos para a pousada.
Visibilidade zero!
Acordamos dispostos a cumprir a agenda que havia sido adiada por motivos de força maior e ao abrir a porta do chalé, uma questão ainda maior nos apresentava: uma chuva intensa. Resolvemos sair assim mesmo, mas indo na direção oposta aos caniôns. Fomos visitar as cidades próximas, já em território gaúcho. Começamos por Mampituba e seguimos para Cambará do Sul, pelas estradas estaduais. Passamos pelas localidades de Monteiro, Costão, Pixirica, Morrinhos do Sul, Três Cachoeiras, Guananazes, Itati e Tainhas.
Em Cambará do Sul almoçamos e fomos ver a tal “sequoia lunar”, de que já tratei aqui, o Centro Cultural Dr. Santo Bornéo onde funcionam o Museu Irmã Tarcila Afonso e a Biblioteca Pública. Visitei também a igreja matriz dedicada a São José.
Já que não chovia, mas com o tempo nublado, resolvemos salvar o dia indo ao canion Itambézinho, distante 22 quilômetros do centro de Cambará. Pegamos a estrada estadual RS-427, que é de terra e vimos faixas instaladas em todo o percurso pedindo ao governador Eduardo Leite a pavimentação da rodovia.
Na entrada do Parque Nacional Aparados da Serra vimos os preços que o ICMBio cobra dos visitantes: R$ 97 por cabeça (não tem esse negócio de meia entrada pros véios) e mais R$ 15 para o carro. Estávamos dispostos a pagar as 200 pilas, já que deu um trabalheira chegar até lá. Antes de passar o cartão, a Marcela teve a inspiração de perguntar à funcionária da bilheteria se dava para ver alguma coisa no despenhadeiro. A funcionária perguntou ao colega, via rádio, como estava a visibilidade no canion Itambézinho. A resposta foi dada separando as sílabas para não deixar dúvidas: “Vi-si-bi-li-da-de//ze-ro!”.
Nada mais disse e nem foi perguntado. Batemos em retirada para o segurança da pousada, antes passamos por um nevoeiro que nos impedia de ver os desfiladeiros ao longo da estrada que nos levava a Praia Grande.
Minha casa, minha tumba
Numa curva da estrada que dá acesso à pousada em que ficamos hospedados, a Marcela viu umas construções diferentes e falou: – Olha o tamanho daquelas casas! Olhei e respondi que era o cemitério. Muitas sepulturas são construídas com o formato de uma casa estreita e alta. Vimos, em outros cemitérios da região, sepulturas iguais àquelas, mas não me lembrei de perguntar sobre essa tradição.
Numa noite, indo jantar, ao passar em frente ao cemitério, me peguei olhando para lá e comentei: Eu não sei pra quê eu estou olhando na direção do cemitério, se tenho medo do lugar! A Marcela rindo disse que talvez eu quizesse ver alguma coisa. Esconjurei em voz alta, já que não tinha madeira para dar três pancadinhas e espantar o azar.