
Esta edição do livro foi lançada na Assembeia Legislativa de Santa Catarina, onde Antonieta de Barros se tornou a primeira deputada negra do Brasil, em 1934 (Foto Vicente Schmitt / Agência AL)
O livro “Farrapos de ideias” (Editora Skript, Florianópolis 2022) é um apanhado de crônicas publicadas pelo jornal A República pela professora Antonieta de Barros, que usava o pseudônimo Maria da Ilha. A primeira edição foi lançada em 1937 com a finalidade de angariar fundos para o Preventório, que era uma ação de amparo aos filhos dos doentes de hanseníase em Florianópolis. A atual epublicação traz a estrutura original do livro e, em anexo, os acréscimos de textos escritos após 1937, acrescentados à segunda edição pela irmã de Antonieta, a também professora Leonor de Barros. A apresentação é assinada pela professora Jeruse Romão, biógrafa da autora.

Busto em homenagem a Antonieta de Barros no hall da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Foto JCarlos)
Os textos curtos são de opiniões e reflexões feitas sobre o cotidiano da autora, especialmente temas ligados à educação, religião católica, analfabetismo, ética e costumes populares. Fala de uma Florianópolis pequenininha, provinciana, que descobre lentamente os avanços da ciência, como a aviação, o rádio e a difusão da luz elétrica. Apesar de não serem datadas, as referências a festas ou eventos facilitam o entendimento, como o dia dos professores, os festejos de São João e o (triste) retorno dos militares que participaram da Revolução Constitucionalista de 1932.
Destaco a crônica sobre a “malhação do Judas”, que é uma tradição – profana – antiga, realizada no sábado de aleluia em que os cristãos espancavam e queimavam um boneco representando a figura de Judas Iscariotes, o apóstolo que teria traido e entregado Jesus aos soldados romanos. Antonieta reflete sobre os julgamentos que fazemos sobre o outro e que, apesar do perdão imediato de Cristo ao antigo amigo, Judas permanece condenado para sempre. ” A Humanidade é sempre a Humanidade em seus julgamentos” e completa o raciocínio: “O homem é feito da mais ordinária argila”.
Em outro texto, “Vendedores da ‘sorte’, Antonieta descreve a ironia que a vida reserva aos garotos e homens que vendem bilhetes de loteria pela cidade, oferecendo a possibilidade da fortuna, transferindo a quem compra o bilhete ficar rico, pois a “fortuna” estava em suas mãos. Ela escreve: “E, quando os fados lhes traem os votos , eles, os pequenos e humildes acendedores da Esperança, a troco de minguados níqueis que lhes rende a venda dum bilhete, fazem a maravilha de vitalizar a chama da ilusão (…)”.
Com a leitura deste livro eu realizo uma vontade antiga de ler o que a própria Antonieta de Barros escreveu, pois até o momento eu só tinha tido lido que foi escrito sobre ela. Vi uma mulher atenta ao que acontecia ao seu redor, preocupada com as pessoas mais humildes, com o analfabetismo e com a necessidade de levar o ensino a todos, indistintamente da classe social e da cor da pele.
Antonieta de Barros
Professora, jornalista, escritora e política, Antonieta de Barros deixou sua passagem bem marcada na história de Santa Catarina, não só pelas suas ações em defesa da educação para todos, como na luta pelo protagonismo feminino e contra o racismo, de que foi vítima inclusive entre seus colegas deputados estaduais. Em janeiro de 2023 teve o seu nome inscrito no Livro de de Heróis e Heroínas da Pátria.