Como disse o amigo Leo Ladeia ao comentar um post sobre as letras do Belchior, “Seo Zé, a nostalgia chega na estação da aposentadoria com a maturidade no surrão”.
E foi com nostalgia que redescobri as músicas que fazem parte do disco Transa, do Caetano Veloso, lançado em 1972 e agora celebrado pelos 51 anos (esqueceram de comemorar ano passado). Quando do lançamento, ouvi o disco todo na Rádio Cultura, em Belo Horizonte. Naquela emissora, não programavam só as chamadas “faixas de trabalho” – as que deviam fazer sucesso -, mas a obra completa. No caso de Transa, a maioria das músicas foi composta e cantada em inglês, enquanto Caetano Veloso vivia exilado em Londres, durante o regime militar no Brasil.
Desde então me chamavam atenção as citações que Caetano Veloso fez, em português, de algumas músicas, das quais eu só sabia – por intuição – que uma era do Luiz Gonzaga e outra do Dorival Caymmi. As demais desconhecia. E foi justamente lendo sobre o perrengue que aconteceu no show em comemoração ao cinquentenário do lançamento do LP, que voltei a pensar no assunto.
De quem eram os versos citados nas canções do exílio do Caetano? A pesquisa me trouxe “descobertas” interessantes.
Citações
Uma música do Carlos Lyra, com letra do Vinícius de Moraes, gravada pela Nara Leão (1964), que eu não conhecia é “Maria Moita“. O verso citado em “You Don’t Know Me” diz: “Nasci lá na Bahia / De Mucama com feitor / Meu pai dormia em cama / Minha mãe no pisador”. A letra completa desta música mostra a situação em que vivem muitas e muitas mulheres por este mundo afora. A composição foi considerada a primeira canção feminista da Bossa Nova.
Na mesma música, Caetano cita “Reza”, de Edu Lobo e Ruy Guerra (“Laia, ladaia, sabatana, Ave Maria”). Luiz Gonzaga não podia faltar nas lembranças londrinas do Brasil. Ele também aparece em “You Don’t Know Me”, quando o baiano canta “(…) Eu agradeço / ao povo brasileiro / norte, centro, sul inteiro / onde reinou o baião”, de Luiz Queiroga e Onildo Almeida.
Em “It’s a Long Way”, Caetano insere “A lenda do Abaeté”, do Dorival Caymmi (“No Abaeté há uma lagoa escura / Arrodeada de areia branca / Ô de areia branca / Ô de areia branca…”), e dois versos de “Saudade, meu bem saudade”, de Zé do Norte: “(…) Os olhos da cobra verde / Hoje foi que arreparei / Se arreparasse há mais tempo / Não amava quem amei (…)” e “(…) Arrenego de quem diz / Que o nosso amor se acabou / Ele agora está mais firme / Do que quando começou (…)”.
Mais adiante tem “Água com areia”, de Jair Amorim e Jacobina: “(…) Água com areia / brinca na beira do mar / a água passa a areia fica no lugar (…)” e o verso “E se não tivesse o amor / E se não tivesse essa dor”, de “Consolação”, de Baden Powell e Vinícius de Moraes. A faixa “Triste Bahia” é um poema do polêmico poeta baiano Gregório de Matos, o “Boca do Inferno” (1636- 1696), musicado por Caetano.
Uma surpresa para mim, na época, foi a inclusão de “Mora na filosofia”, de Monsueto Menezes e Arnaldo Passos. Explico meu estranhamento. Eu ainda não tinha a visão ecumênica de música que tenho hoje. O que não era rock (ou o que eu pensava que era), para mim não existia. Essa fase passou. Ainda bem, afinal, pra que rimar amor e dor?
O Show
Só para constar, a apresentação de Caetano Veloso, na madrugada de segunda-feira (14), foi no Festival Doce Maravilha, no Rio de Janeiro. O show estava previsto começar às 20h30, mas devido às fortes chuvas, só teve início à uma da madrugada. No palco, Caetano Veloso cantou músicas do disco Transa e outras “pré e pós Transa”e teve como convidados músicos que participaram da gravação original: Jards Macalé (foi o guitarrista, arranjador e diretor musical), Tutty Moreno (bateria) e Áureo de Souza (percussão). Gal Costa (vocais) e Moacyr Albuquerque (baixo) foram lembrados em memória, já Ângela Ro Ro, que tocou gaita no disco em 1972, não pode participar desse show porque estava em Belém.