A indicação de Torto Arado foi da Marcela, que ficou impressionada com a obra premiada de Itamar Vieira Junior. Após ler o livro e pensar sobre o escrito e o não-escrito, fiquei com um sabor amargo na boca. As feridas mal curadas do período escravagista do Brasil e as consequências da imigração forçada de pessoas da África para o Brasil (e outros países) provocam até hoje um desconforto que não dá para descrever. O assunto escravidão é como uma tatuagem perpétua na consciência de todos nós, brasileiros.
O autor Itamar Vieira Junior, que é geógrafo funcionário do Incra, transcreve a vida de descendentes de escravizados no interior da Bahia pós-Lei Áurea. Os pretos libertos não tinham para onde ir e foram “recebidos” pelos ex-proprietários nas fazendas, onde podiam morar e fazer suas roças em troca de trabalho nas lavouras de domingo a domingo. As casas que construíam para morar com a família não podiam ser feitas de alvenaria para que não houvesse sentimento de posse. Também a produção das roças familiares deveria ser dividida com o patrão. O sistema mudou de formato, mas continuou sendo escravidão.
As narradoras, as irmãs Bibiana e Belonísia mais a entidade (encantada) Santa Rita Pescadeira, contam a história de uma família – que como dezenas de outras – eram descendentes de escravizados que foram libertos e andaram pelas estradas à procura de trabalho e de lugar para morar até chegar na fazenda Água Negra onde os fatos se desenrolam. As mulheres desempenham o protagonismo nessa labuta incessante.
A luta pela sobrevivência é dura, a exploração da mão de obra vai à exaustão dos trabalhadores, que não têm direito nenhum e vivem sob o jugo de um capataz, que os esfola em nome do fazendeiro.

Foto que inspirou a ilustração de Aline Bispo (Linoca Souza) para a capa de Torto Arado (Autor Giovani Marrozzini)
O enredo também traz o despertar da consciência daqueles homens e mulheres explorados sobre a importância de se unirem para se libertarem dos escravagistas. A reação dos patrões vem da forma que todos conhecem: violência, a conivência das autoridades policiais e judiciais e, mais sutilmente, a introdução de uma seita neopentecostal para substituir as crenças herdadas das matrizes africanas, o jarê, uma religião praticada basicamente só na Chapada Diamantina, no interior baiano.
Torto Arado é publicado pela editora Todavia (São Paulo, 2018) e tem a ilustração da capa, de Aline Bispo, inspirada em foto do italiano Giovanni Marrozzini, de 2010, realizada em Camarões.