05 de abril de 2025

Intolerância pouca é bobagem – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

Mix de amuletos. Em sentido horário: Ferradura com símbolos de várias crenças; Figa de Guiné; guia de Umbanda; Figa da Mano Cornuto (Fotos Internet e JCarlos)

Não sei como esse livreto veio parar na minha pasta de livros para ler. Talvez nas pesquisas sobre bruxas e outras superstições eu encontrei alguma coisa que me interessou e eu o guardei para ler depois.

A publicação é da Editora Vozes, de Petrópolis (RJ) e foi editada em 1959, na série de cadernos “Vozes em defesa da fé”, coordenada pela Secretariado Nacional de Defesa da Fé, de quem não encontrei nada, além de uma coleção de publicações combatendo outras crenças além da Igreja Católica.

Em “Nossas Superstições”, o Frei Boaventura Kloppenburg (1919 – 2009) faz um apanhado das crendices populares, que ele recolheu pessoalmente ou por livros e tenta mostrar o quanto ridículas são, sob o ponto de vista religioso da Igreja Católica. 

O padre, que nasceu na Alemanha e veio para o Brasil ainda criança, distribui porrada a torto e a direito nos “adivinhos, agoureiros, feiticeiros, pitões, magos, necromantes, quiromantes, astrólogos, cartomantes, cristaloscopistas, videntes, bruxos, babalaôs, macumbeiros, médiuns, esoteristas, rosacruzes, teósofos, cabalistas,  curandeiros, benzedeiros, espíritas, umbandistas, ecléticos, ocultistas, mentalistas, energetistas, ioguistas” e maçons, que considera os males da sociedade “neo paganizada” e que não podem conviver com o Cristianismo.

Ele encrenca também com os católicos que fazem promessas “exigindo” que o santo de devoção, Jesus Cristo, ou o próprio Deus os atendam em prazo estipulado. “Cada doença com  sua oraçãozinha especial; (…) Nestas orações geralmente mandam, não pedem.  Querem forçar. Chegam a fixar prazo dentro do qual pretendem receber a graça. Ameaçam no caso de não  serem atendidos. Tomemos, para exemplificar, esta  oração com a “medida do Santo”, uma fitinha de seda  do tamanho do “Santo” ao qual se dirige. E a oração  recomenda: “Ao rezar, dê um nó na fita, pedindo a  graça e marque um prazo qualquer para obtê-la. Se, passado o prazo, não vier a graça, dê outro nó na fita  e marque novo prazo. Geralmente não se chega a dar  o terceiro nó … ”  

Talismãs, rezas fortes e fórmulas mágicas

Capa do livreto das superstições do Frei Boaventura (Reprodução)

A par da intolerância do padre com tudo que não é católico, ele recolheu algumas “simpatias” e crendices muito interessantes. Algumas inexequíveis, outras fáceis e umas que eu mesmo já fiz ou fizeram comigo.

No capítulo dos objetos que “dão sorte” ou que “fecham o corpo” estão relacionados: “olho de boto, o uirapuru, canela de socó, rabo de  tamancuaré [espécie de calango], pedra de cevar, cavalo-marinho, estrela-do-mar, môcho, ouriço prêto, coruja preta, cabeça de víbora, perna esquerda da galinha preta, osso da cabeça de gato prêto, sapo com olhos costurados e agulha passada três vêzes por um defunto”.

Já na lista do que “dá azar”, alguns exemplos já são bem difundidos, outros são estranhos: Matar grilo; matar sapo; matar qualquer animal na sexta-feira santa; passar embaixo de uma escada; pisar no rabo do gato; deixar derramar sal na mesa. passar vassoura nos pés de moça solteira; comer com chapéu na cabeça; entrar em casa nova com o pé esquerdo;  olhar um enterro até que desapareça na esquina, vai ser  enterrado também; guardar espelho quebrado; casar em agosto, numa sexta-feira ou num dia 13; pular sobre uma sepultura, terá morte em breve; varrer a casa jogando o lixo para fora: a sorte sai  também [Esse costume eu pratico]; guardar pica-pau em casa dá azar. Tudo isso pode ser conjurado, mas não vou ensinar como se faz.

Frei Boaventura conta uma superstição para fazer com que uma mulher fale o que não quer: “colocar um  cavalo-marinho sob o travesseiro da pessoa e, quando estiver sonhando, perguntar o que quiser. Se quiser que a pessoa diga qualquer coisa estando acordada, deverá colocar o  cavalo-marinho num bolso da pessoa, contanto que seja do  lado esquerdo. Se, porém, a pessoa perceber, o processo falhará”. 

Para ganhar na loteria (não sei se vale para o “jogo do tigrinho”), a simpatia é bem fácil: “Umedeça-se o fel de um touro em sangue de corvo e ponha-se na pele uma enguia. Amarre-se a pele por seus dois extremos e exponha-se à influência  das estrelas durante sete noites seguidas. Depois seca-se  num forno e se faz com ela um bracelete para o braço  esquerdo”. É imprescindível que o bracelete seja colocado no braço esquerdo, senão, não funciona.

Para finalizar, escolhi uma simpatia de execução arriscada: “para a criança aprender a falar,  leva-se a criança a uma igreja e bate-se com sua cabeça três vezes no sino”. Se a criança não morrer, ela vai começar a gritar “AI!” ou “SOCORRO!”  

O livreto é interessante somente nos exemplos de superstições que eram ou são usadas pelo país a fora. Olhando pela parte dogmática, a Igreja Católica – na minha opinião – já evoluiu muito daquela fase em que era a “única certa” e os católicos o “povo de Deus”, conforme o Frei Boaventura acreditava. 

Hoje ainda existem outros “Boaventura” no catolicismo e em outras denominações religiosas e eu só quero uma coisa deles: Distância!

[Resenha X/2025]

 

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Cultura Editora Vozes Frei Boaventura Igreja Católica Religião Superstições Tradições 

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