Fui hoje cedo à padaria e ao posto de gasolina, mas só quando estávamos na mesa para tomar café é que a Marcela notou que eu havia vestido camisa ao avesso. Rapidamente eu tirei a camisa, a virei pelo lado certo e me vesti novamente, explicando que eu tinha corrido perigo.
Com o cenho franzido, Marcela perguntou porquê, o que me deu a oportunidade de fazer uma pequena palestra sobre os riscos de se vestir uma roupa pelo avesso na época da quaresma, tema de que falei há poucos dias.
Li em algum lugar (ou ouvi quando era criança ou mesmo inventei) que o homem que tem conhecimento de que se transforma em lobisomem pode fazer a transmutação voluntariamente se espojando onde os porcos – pode ser jegues – espojam ou vestindo a roupa pelo avesso.
Eu não corro nenhum perigo, pois sou o primeiro de sete irmãos, em que somos dois homens e a tradição exige que o candidato a lobisomem seja o sétimo filho homem da família. Uma versão concorrente à essa minha, é que para quebrar o encanto do bicho, você deve virar a roupa dele pelo avesso enquanto o homem está transformado. Quando ele volta à forma humana e veste a roupa do lado errado, quebra o encanto.
Visita à nossa casa
Quando publiquei a crônica “As assombrações da quaresma”, meu irmão Paulo “Paíto” Roberto, lembrou-me de que ele quase foi vítima do lobisomem.
Segundo nosso pai, nossa família morava em uma casa perto do Cemitério Municipal de Teófilo Otoni, quando Paíto nasceu, no período de quaresma. Enquanto ele ainda era pagão*, numa noite, pai que ouvia rádio até altas horas, escutou batidas na porta. Por ter passado da meia-noite, ele ficou imaginando quem poderia ser.
Quando olhou pela gelosia da janela, viu um grande cachorro preto parado em frente à porta de entrada. O som, que parecia pancada na porta, eram as orelhas do bicho que esbarravam na madeira quando o cão balançava a cabeça. Por via das dúvidas, pai colocou a mesa atrás da porta, desligou o rádio, as luzes da casa e correu para a cama.
Sobre esse episódio, me lembro de pai contando que no dia seguinte ao aparecimento do suposto lobisomem, o canteiro de flores que ele havia plantado na frente da casa estava todo destruído e havia marcas de garra na madeira da porta. Alguns vizinhos também ouviram o barulho que o bicho fazia na nossa porta, mas ninguém saiu para ver o que era.
T’sconjuro!
[Crônica LI/2025]
* Pagão – A lenda do lobisomem, vinda de Portugal e bem difundida no Brasil, dá conta que o bicho se alimenta do sangue de crianças que ainda não foram batizadas. No interior era muito comum que os pais se apressassem a batizar os pequenos para protegê-los desses seres encantados pela lua cheia e pelas maldições.