Atena Cristina Blanca é uma cachorra tranquila. Tranquila demais, eu diria. Ela chegou aqui em janeiro de 2020 e, apesar do carinho com que foi tratada, era ressabiada e calada. Fomos ouvir a “voz” dela, ao latir, uns três meses depois da adoção.
Fica na dela, espera que a ração seja servida, deitada, sem desespero, como agem o Argus, Azula e Fayga, que orbitam em volta de quem está servindo a comida, como se estivessem há dias sem comer.
Um dia cheguei de uber e a cachorrada me recebeu com a ‘laticeira’ de sempre, menos Atena, que ficou a distância, sentada, apartada da bagunça, o que levou o motorista a comentar: “…E o pitbull fica só olhando!” Sim, a Atena tem traços de pitbull, talvez herdado de algum ancestral, o que me intimidava no começo.
Quando quer (e é difícil querer), ela demonstra alegria correndo igual um cabritinho, dando pequenos saltos e pulando nas nossas pernas, principalmente pelas costas e na altura dos joelhos. A intenção secreta é derrubar o caboco. Quando eu passo por ela para ir dar comida aos passarinhos e vejo suas intenções maléficas, me volto rapidamente e digo: “Olha!”
Foi confiando nessa passividade que não me preocupei em passar pelo portão que divide o quintal em dois e fechá-lo atrás de mim rapidamente.
Abro parênteses. Não sei porque cargas d’água houve uma cisma entre as cadelas – a Fayga e a Atena não suportam a presença da Azula – e precisam ficar em ambientes separados. O Argus e a Aurora transitam bem entre os dois grupos. Fechando parênteses.
Transpus o portão e quando me virei para passar o ferrolho, a Atena – que me olhava de longe – disparou em desabalada carreira e se jogou na cancela, abrindo-a e machucando o meu dedo, que já estava na tranca de ferro.
Ela chegou a entrar na sala, onde estava a Azula, que correu e se escondeu atrás do armário, enquanto a Marcela assumia o controle da situação e colocava a invasora para fora. Com muita dificuldade eu a conduzi para o outro quintal, lamentando o dedo machucado.
Um diligente inquérito foi aberto para investigar possível displicência do carcereiro (eu). Marcela construiu a tese de que foi astúcia da Atena, que planejou pacientemente o plano de usar o método conhecido como “cavalo doido”* para se liberar e participar do café da manhã.
Não sei se foi esse o motivo do tresloucado ato, sei que a vítima fui eu.
[Crônica XLV/2025]
* No jargão policial, “cavalo doido” é quando “os presos empreendem fuga correndo freneticamente, em massa, fazendo um arrastão e derrubando o que encontram pela frente, especialmente os agentes prisionais”.