21 de março de 2025

Simpatias estranhas e incomuns

Por José Carlos Sá

Para encontrar um objeto perdido, basta dar um nó no rabo do capeta. O dificil é achar o capeta e convencer ele a emprestar o rabo para a simpatia (Imagem gerada por IA Freepik/Pikaso, com participações da IA Photoroom e BN JCarlos)

Tenho o hábito de desviar da leitura que estiver em mãos para pesquisar algum evento ou a pessoa citada no texto. Foi o que aconteceu quando estava pesquisando algo sobre o patrimônio histórico de São José e deparei com o nome de Álvaro Tolentino de Souza. 

Ao buscar quem era o cidadão, encontrei uma revista editada por uma Comissão Catarinense de Folclore, que menciona Álvaro Tolentino, informando que foi pesquisador “estudioso e apaixonado das tradições catarinenses”.

Mais adiante, no mesmo documento, o “Boletim da Sub-Comissão Catarinense de Folclore”, número 17/19 (Dezembro de 1953/Junho 1954), encontrei o delicioso artigo “Achegas à Poranduba Catarinense”, assinada por outro escritor de renome por aqui, Lucas André Boiteux, que tem suas obras voltadas para a história de Santa Catarina e os costumes de seu povo.

Segurando as partes 

Chamo de delícia, pois ele recolheu dezenas de amostras de esquisitices (isso sou eu que estou dizendo) do folclore catarinense. Vou transcrever alguns exemplos, retirados do boletim referido.

Cozinha e Mesa – A boa sopa não é para quem a faz, mas para quem a come; A carne, para assar, deve ser cortada pela dona da casa; Antes de se preparar a língua de vaca, corta-se-lhe a ponta para retirar a maldade [Uma metáfora? Pergunto]; Não se deve passar a vassoura sobre o fogão, pois gera infelicidade; Não se deve comer galinha choca, arrepiada ou de pernas pretas, pois se pega fome canina; Senhora pejada [grávida] ou assistida [menstruada] não deve bater ovos para que a batida não dessore [desfazer-se em soro]; Quem come coração de galinha fica medroso.

Mulheres – Senhora pejada não deve passar por cima de qualquer corda distendida para que o filho não venha à luz com o cordão umbilical enrolado no pescoço; Não deve comer frutas inconhas* [é o caso da banana filipe, siamesa] para não ter filhos gêmeos; A mulher de parto não deve comer galinha preta; A senhora pejada a cobra não pica; e esta morre se por aquela for pisada; Senhora pejada não deve avistar-se com alguém picado por cobra, para que este não morra; Para expelir as secundinas [placenta] deve rezar: “Minha Santa Margarida, não estou prenha nem parida!”. 

A mulher livra-se da investida de cão, virando o cós do vestido e pondo a mão sobre as partes [!!!]. 

– Crianças – Não se deve comprar o berço antes da criança nascer, de outra maneira ela não vingará; Não se deve deixar crianças brincar com gatos para não pegar pianço (asma); Para curá-la de bichas (lombrigas) pede-se ao Vigário que escreva um versículo latino em um pedacinho de papel confeitado de açúcar e dá-se à criança para comer; Para não ter dor de dentes, mandar arreganhar as cangicas (os dentes) para a Lua nova; Quando a criança ao engatinhar põe-se a espiar por entre as pernas está augurando um maninho; Não se deve deixar a criança brincar com pente, pois se emporcalha quando defeca.

Evitando o inchaço do defunto

Morte – Sonhar com a queda de um dente é sinal de morte de parente ou de pessoa amiga; A entrada em casa de um morcego, gafanhoto escuro ou mariposa preta traz notícia de morte; O pio da coruja nos arredores da casa é prenúncio de morte; Quando morre alguém em casa deve-se varrer todo o lixo diretamente para a rua e despejar a água de tôdas as vasilhas, para que a alma do defunto não se banhe nela; O dono do defunto deve pegar na alça do caixão do lado da cabeça; O defunto, no caixão, deve ficar com os pés para a porta da rua; Para que o ventre do cadáver deixe de inchar, deve colocar sobre ele a chave da porta da rua; Se o cadáver não ficar rígido, é sinal que vem buscar outra pessoa da casa.

Avisos e conselhos – Para se livrar de visita incômoda, virar a vassoura atrás da porta ou lançar sal no fogo; Queimar casca de laranja afugenta o marido de casa; Não se deve cobrir casa nova com as telhas da antiga; Casa de esquina traz morte ou ruína; É perigoso passar por debaixo de escada, por detrás de burro e pela frente de frade; Para se encontrar um objeto perdido amarra-se o rabo do diabo, dando-se um nó em um fio qualquer, tendo-se, porém, o cuidado de desatá-lo desde que o objeto fôr encontrado; Quando se sente comichão na palma da mão é sinal de dinheiro. Deve-se dizer: “Quem quiser dar / Não se arrependa, / Nem seu coração / Lhe prensa…”

O artigo continua descrevendo brincadeiras infantis e orações vocativas a Santo Antônio e à Santa Marcelina.

Vou procurar as obras do autor dessas anotações acima, Lucas André Boiteux, pois tenho certeza que vou me divertir mais ainda.

[Crônica XLIII/2025] 

* Em Minas, “inconha” é uma pessoa que não vale o capim que come.

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Álvaro Tolentino de Souza Crendices populares Lucas André Boiteux São José Simpatias 

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