Perdão, leitores, pelo título. A frase não é minha, até porque não tenho chapéu. Ela foi dita pelo ‘capitão’ Virgulino Ferreira da Silva, o popular cangaceiro Lampião no contexto da entrada da mulher para o cangaço, quando levou para correr das volantes com ele a sertaneja Maria Gomes de Oliveira, consagrada na história e nas lendas com a alcunha de Maria Bonita.
A frase do capitão Lampião é uma das revelações (para mim) encontradas na série de documentários que assisti sobre a mulher no cangaço, indicados pelo amigo e ‘nordestólogo’ Normando Lira, e que complementam minhas leituras sobre o assunto e afins (livros Guerreiros do Sol, Padre Cícero, Cangaceiros, O quinze, Sertões etc.)
Os documentários, na ordem em que os assisti, são: Feminino Cangaço (2016), de Lucas Viana e Manoel Neto – Centro de Estudos Euclydes da Cunha/Universidade do Estado da Bahia; Entrevista com o ex-cangaceiro Balão (2022) – Nas pegadas da História; Entrevista com os ex-cangaceiros Balão e Deus-te-guie (s/d) – Cangaçologia; Angico – Eu sobrevivi I e II (2022) – Entrevistas com Sila e Adília – Cangaço Aderbal Nogueira.
Perdição do cangaço

O ex-cangaceiro Balão disse que as mulheres foram a “perdição do cangaço (Foto Josenildo Tenório/Estado S. Paulo/Reprodução)
Os depoimentos dos sobreviventes da era do banditismo no sertão nordestino (aproximadamente entre as décadas de 1860 e 1930) são interessantes e convergem para a opinião comum que a entrada das mulheres para o cangaço apressou o fim daquele fenômeno econômico, político e social.
Os depoentes ressaltam que as mulheres não atrapalham as batalhas contra as forças legais, nem nas fugas, mas os homens ficavam vulneráveis, “e seu corpo fica como uma melancia: qualquer bala atravessa”, comparou o ex-cangaceiro Balão.
Balão, cujo nome era Guilherme Alves, foi entrevistado em 1973, pela revista Realidade e teve o depoimento lido pelo dono do canal do Youtube “Nas pegadas da história”. Ele resume o assunto: “A mulher foi a perdição do cangaço. Enquanto não apareceu mulher no cangaço, o cangaceiro brigava até enjoar. Depois, diante de qualquer perigo, logo se podia ouvir: “Ai, corre, corre!” Quando entrei, Lampião tinha duzentos homens, separados em grupos para despistar as volantes. Muitos dos “oficiais” já tinham mulheres: Corisco, Luís Pedro, Pancada. No fim, até os cabras. Elas não lutavam. Uma única vez vi uma delas brigar como um homem, foi Dadá, no dia em que o seu marido, Corisco, caiu baleado nos dois braços.”
As atividades das mulheres nos bandos de cangaceiros foram descritas como secundárias: “Elas usavam armas apenas para a defesa pessoal, faziam os afazeres domésticos relacionados ao casal e tratavam os ferimentos do companheiro”. Não cozinhavam, nem buscavam água. A casa delas era o que conseguiam carregar.
Já Adília, que foi companheira de Canário, conta que não tem saudade nenhuma de um homem que faltava matá-la, nem daquela época: “[A gente] Vivia às carreiras, um dia comia, outro dia não comia porque não tinha tempo. Um dia bebia água, o outro não bebia porque não tinha água… E assim é que era a vida de nóis.”
A Sila – Ilda Ribeiro de Souza -, que foi mulher do cangaceiro Zé Sereno (José Ribeiro Filho), também não gostava da vida a que foi obrigada a viver, quando foi raptada aos 14 anos: “Eu vivi e lutei para sobreviver. É muito triste viver no mato presa, porque era uma cadeia que a gente tinha. Viver no mato sem comer, sem tomar água, sem ter uma cama para dormir, sem ter uma cobertura [apoio] de ninguém, a não ser dos fazendeiros que dependiam da gente para defender as fazendas deles”.
Maria de Déa foi a primeira
A entrada de Maria Bonita no cangaço, em 1930, já é conhecida. Era uma sertaneja mal-casada, que já tinha deixado o marido, quando se apaixonou por Lampião e por ele foi correspondida. O encontro aconteceu na Bahia, quando o bando de Lampião estava fugindo, após o fracasso na tentativa de invadir a cidade potiguar de Mossoró em 1927.
Conta o pesquisador Luiz Ruben Bonfim, sobre a entrada de Maria no bando, que Lampião “que antes declarou para os companheiros que não queria mulher no cangaço. E depois, para desmentir o que ele disse, tirou o chapéu dele, jogou no chão e pediu para os companheiros: ‘caguem aqui’! Por que ele disse isso? Porque quebrou a palavra dele”.
Ao quebrar uma tradição e levar uma mulher para o acompanhar, Lampião inovou. Antes, os cangaceiros tinham suas companheiras, mas não as levaram para o cangaço. A presença das mulheres no cangaceirismo ocorreu nos últimos dez anos de uma atividade que durou cerca de setenta anos.
Alguns nomes das 40 mulheres que estiveram no cangaço nos últimos oito anos de Lampião: Mariquinha, mulher de Labareda; Naninha, mulher de Gavião; Nenê, mulher de Luís Pedro; Noca, mulher de Mormaço; Osana, mulher de Labareda (segunda); Lídia, mulher de Zé Baiano (foi morta à pauladas, por ciúmes); Verônica, mulher de Bala Seca; Zefinha, mulher de Besouro; Maria Fernandes, mulher de Juriti; Rosalina, mulher de Mariano; Sebastiana, mulher de Moita Brava; e Dadá, mulher de Corisco.
Uma última curiosidade. O nome “Maria Bonita” não foi dado à mulher de Lampião por ele ou qualquer um do bando, mas pelos jornalistas do Rio de Janeiro.
No começo ela era conhecida como ‘Maria de Dona Déa’, ‘Maria de Déa de Zé Felipe’ ou ‘Maria do Capitão’. Foi a imprensa que arranjou os apelidos de “Rainha do Cangaço” e “Maria Bonita” para a “Primeira-dama do Cangaço”.
Esse é por minha conta e risco.