Com a redação concluída em 1816 e publicada em 1829, a “Memória Política sobre a Capitania de Santa Catarina” (IHGSC, Florianópolis, 2008) era, ao mesmo tempo, um retrato daquele cantinho do Brasil (naquele tempo, Santa Catarina se resumia “na Ilha deste nome e da terra firme adjacente”) e propostas para que a região crescesse em população e geração de tributos para a Coroa Portuguesa.
Eu ganhei um exemplar do livro quando fui pesquisar na biblioteca do IHGSC (Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina) sobre a Catedral de Florianópolis e voltei para casa folheando a apresentação da obra. Me interessei pelo currículo do autor e acabei lendo tudo.
O que me atraiu foi saber que o autor, Paulo Joze Miguel de Brito (data de nascimento desconhecida – 1832), foi ajudante de ordens do governo da Capitania de Santa Catarina, de 1805 a 1817, assessorando aos governadores Luiz Maurício da Silveira e João Vieira Tovar e Albuquerque; foi comandante da Ilha de São Jorge, nos Açores, também foi governador e capitão geral de Moçambique e correspondente da Academia Real das Ciências de Portugal. Por ter passado tanto tempo na região, sabia do que estava falando.
Segundo o historiador Walter Fernando Piazza, Brito foi “responsável por nossa primeira história impressa” e o que eu acho mais importante, é que pela posição que ocupava, tinha acesso a todos os documentos e estatísticas relacionadas à Capitania de Santa Catarina em primeira mão e de forma oficial, praticamente na fonte.

Planta Hidro-Topográfica da Capitania de Santa Catarina, desenhada pelo autor e que acompanha o livro (Reprodução)
Piazza comenta ainda que “Memória Política” “é um testemunho sobre os problemas econômicos e sociais da então Capitania de Santa Catarina naquela época e aponta Paulo Joze Miguel de Brito, com bastante descortino, algumas soluções, só, neste século alcançadas”. O historiador se refere ao Século 20, quando ele publicou artigo na revista Ágora [v. 4 n. 8 (1988)], da Associação dos Amigos do Arquivo Público de Santa Catarina.
São José em formosa posição à beira-mar

Reprodução de trecho da 1ª edição do livro, de 1829, onde é citada a Freguesia de São José e sua população à época (Biblioteca Brasiliana – Guita e José Midlin /Reprodução)
No decorrer do livro, o autor descreve a capitania, com seus pontos fortes e fracos, falando sobre as três vilas que existiam e as dez freguesias, que eram administradas por padres católicos.
As vilas eram Nossa Senhora do Desterro, na Ilha de Santa Catarina, onde coexistem as Freguesias da Matriz (hoje o centro de Florianópolis), Santo Antônio, Lagoa e Ribeirão. No continente ficavam as Freguesias de São Miguel, São José e Enseada de Brito e também as vilas de Laguna e do Rio São Francisco (hoje São Francisco do Sul).
Sobre a Freguesia de São José, escreveu Paulo Joze Brito: “Lugar situado à beira-mar em formosa posição na terra firme, para o sudeste do estreito, a Paróquia dedicada ao santo que dá o nome ao lugar, é pequena e boa, e tem um Vigário; o terreno desta Freguesia, que é o mais cultivado e fértil de barras a dentro, estende-se para o norte na distância de três léguas até o rio Quebra-cabaços [rio Serraria ou Carolina, hoje quase morto], e para o sul uma e meia até o rio Aririú, por onde confina com a Freguesia da Enseada de Brito, e pelo norte com a de São Miguel”.
A população de São José naquela época, nos conta Paulo Joze, era de 2.808 almas*, sendo 1.078 homens brancos; 1.138 mulheres; libertos 15; escravos homens 363 e mulheres 203.
Mão de obra militar
Entre as sugestões que o autor envia ao rei (as Memórias eram uma espécie de relatório com recomendações) está a construção de estradas para Lages, Laguna e São Francisco, povoando e cultivando os dois lados da via, o que reforçaria a produção agrícolas, facilitaria a comunicação no interior da província e, se preciso, serviria de rota de fuga para quem morava no litoral, lembrando a invasão espanhola de 1777.
Uma outra observação é que o governo se abstivesse de recrutar, entre a população civil, os membros das milícias que guardavam a Capitania, fazendo retornar para a sua a origem, as tropas de linha (militares profissionais) que foram deslocadas para o Rio Grande [do Sul]. “Tem resultado ainda outro grande mal dos recrutamentos e vem a ser, uma numerosa emigração; pois que à menor suspeita daquela medida opressiva, começam a fugir para fora do país os que têm receio de serem recrutados”.
O autor defende ainda a aplicação local dos impostos recolhidos para a Coroa Portuguesa. Na época era a exploração das baleias a atividade que mais rendia tributos, que iam diretamente para o Rio de Janeiro, onde estava a sede da monarquia de Portugal naquela ocasião. Podemos ver que não mudou muita coisa, nestes 210 anos que o livro foi escrito, com relação a essa prática de transferência de tributos.
É um bom livro para consultas e comparações. Ressalto a elevada autoestima do autor, nem um pouco modesto, que se achava um exemplo em administração pública em relação aos governadores que administravam outras capitanias.