24 de janeiro de 2025

Dilema: Comer ou morar?

Por José Carlos Sá

Kota Machida e Yuya Sakai fazem a demonstração de material de construção comestível (AP/Reprodução)

Admiro muito o povo japonês pela sua cultura, determinação e disciplina. Depois de terem conhecido uma derrota humilhante na Segunda Guerra Mundial, com o país sendo vítima de duas bombas atômicas, o Japão se reinventou, primeiro copiando o que os outros faziam, mas de forma muito melhor e mais eficiente. Depois passaram a liderar tudo que era tecnologia.

Isso eu pensei ao ler uma matéria informando que “dois pesquisadores da Universidade de Tóquio descobriram que restos de comida podem deixar de entupir os aterros sanitários e se transformar em uma espécie de cimento biodegradável, que pode ser usado na construção civil e em objetos de decoração, como vasos e pratos. O inusitado é que quem quiser pode também ingerir o material, já que ele é comestível se for partido e fervido”.

Terminei de ler o texto com a sensação de que já tinha visto aquele assunto em outro lugar. Me lembrei de duas coisas. Uma matéria exibida na TV Candelária de Porto Velho, em 2013, apresentada pelo meu amigo Léo Ladeia, em que a repórter mostrava a situação em conjunto habitacional construído com verbas do programa “Minha casa, minha vida”, na cidade de Rolim de Moura (RO), em que o reboco podia ser retirado com um beliscão.

A outra recordação foi a história de João e Maria, que ouvi muito quando meus irmãos e eu éramos pequenos.

Henzeru to Gurēteru

João e Maria, famintos, começaram a devorar a cara da bruxa (Ilustra Mary Evans Picture Library/Reprodução)

Na história de João e Maria dos irmãos Grimm, de 1812 (Hänsel e Gretel, no original em alemão ou Henzeru to Gurēteru, para ti que não fala japonês), me impressionou a parte em que os irmãos João e Maria, perdidos na selva, encontram a casa da bruxa, que era construída de guloseimas. 

Eu pensava: se é uma casa feita de doces (veja abaixo as versões do material utilizado), como ela não é comida pelas formigas e nem atrai beija-flor, um serhumanino doido por açúcar? Agora sei que a casa era um engodo para atrair crianças famintas, perdidas na floresta depois de abandonadas pelos pais.

Quanto ao material usado na construção, ele varia de acordo com quem conta a história e o adapta ao conhecimento e ao meio de quem ouve. 

Cascão e Magali, se estivem na história de João e Maria, o final seria diferente (Ilustra Maurício de Souza / Reprodução)

Minha mãe dizia que a casa da bruxa tinha paredes de bolo e telhado de biscoito Maizena. A babá de uma conhecida minha, usava pão-de-ló nas paredes e massa folhada no teto. Também já li/ouvi que o material das paredes era “feita de doces”; “de chocolate, biscoitos e doces”; “toda construída com chocolate, o telhado era de bolo e as janelas feitas de açúcar transparente”

Página do livro distribuído pelo MEC (Ilustra Vanessa Alexandre)

A premiada escritora de livros infantis Ruth Rocha, deu a versão dela para o material construtivo da casa da bruxa: “feita de bolo, com telhado de chocolate e portas e janelas de biscoito”. Há um livro do MEC, que era distribuído nas escolas, em que a casa era assim descrita: “Era uma casa engraçada, toda feita de bolos, biscoitos e pão de ló. As telhas eram feitas de chocolate, e as flores do jardim, de caramelos, balas e docinhos”.

Nem eu, que não me chamo João e Maria, não resistiria em dar uma beliscada na parede da casa bruxólica.

No caso real, no Japão, fiquei pensando no seguinte dilema: se o cidadão que ganhar a casa comestível e estiver em situação de fome, qual será a opção dele, se abrigar na casa ou comê-la?

[Crônica XVIII/2025] 

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