22 de janeiro de 2025

Quedê Feiurinha? – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

O livro de Pedro Bandeira recebeu o Prêmio Jabuti de melhor texto infantil (Reprodução)

Eu nunca tinha ouvido falar na tal da ‘Feiurinha’ até a semana passada. Já conheci muitas feiosas, mas a Feiurinha que era princesa, nunca. 

Quem me apresentou a personagem foi a professora Bruna Batista, do Pilates, que quando era criança não perdia uma encenação da peça “O fantástico mistério da Feiurinha”. A apresentação da peça era o “TCC” das turmas da escola de teatro da Prefeitura de São José. 

Pedi mais detalhes sobre o enredo, mas ela só lembrava que tinham muitas princesas e a Feiurinha era uma delas. Isso atiçou minha curiosidade, pois pensei que a peça teatral podia ser de um autor josefense e que estavam prestigiando o conterrâneo. 

Ao chegar em casa consultei o meu oráculo eletrônico, o Google, que me presenteou com a versão eletrônica do livro de Pedro Bandeira (que não é josefense, mas paulista de Santos), publicado e vencedor do Prêmio Jabuti de 1986 – melhor texto infantil. Baixei também uma adaptação do livro para o teatro para ler depois do original.

Ilustração do livro “O fantástico…”: Enquanto Branca de Neve beija a mão de Jerusa, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Bela Adormecida, Rapunzel e Bela aguardam a história de Feiurinha (Ilustração de Avelino Guedes / Reprodução)

“O fantástico mistério da Feiurinha” (Editora Moderna, São Paulo, 1986) me cativou por responder uma pergunta que nunca fiz. Os livros de histórias infantis sempre começavam com “Era uma vez…” e terminavam com a fórmula “…e foram felizes para sempre!” Nunca questionei como seria uma vida “feliz para sempre”, já que sou filho de uma família normal, convivendo com outras famílias normais, bem distantes de reinos, bruxas, castelos, dragões, príncipes encantados e, principalmente, princesas e de viver feliz para sempre.

O enredo da Feiurinha explora justamente esse vácuo que fica quando fechamos o livro e guardamos a história em uma das pastas do arquivo da memória, que poderá ser aberta novamente ou não.

No caso de reabrirmos o arquivo para contar uma história, as personagens que entram na narrativa são todas, de uma forma ou de outra, retiradas do esquecimento. Pode ser quando alguém conta uma história ou o enredo é transformado em filmes para o cinema e para a tevê. Branca de Neve, Cinderela, Bela (de A Bela e a Fera) estão sempre à vista, passando, com suas aventuras, de geração em geração.

A Chapeuzinho Vermelho também é muito lembrada, pois a história beira a um conto de terror e pais e avós contam com a dramaticidade necessária para colocar o “Lobo Mau” entre as nossas personagens inesquecíveis. Já Rapunzel e Rosa Flor Della Moura Torta, estão ali no quase anonimato. 

Feiurinha desapareceu por que ninguém lembrava da história dela (Ilustração de Avelino Guedes /Montagem de JCarlos)

As entrelinhas do livro mostram justamente isso: a Feiurinha desapareceu por que não tem mais ninguém contando a história dela para os filhos ou para os netos, tão pouco ‘Hollywood’ produziu nenhum filme sobre aquela princesa, muito menos a escalou como figurante em um “Shrek” da vida, onde até os biscoitos aparecem…

Pedro Bandeira conseguiu o que queria, a reabilitação de uma personagem que ficou esquecida nas páginas de um livro perdido em um lugar desconhecido. 

Estou eu aqui escrevendo sobre ela, você daí lendo (e talvez se lembrando que leu a obra “há muitos, muitos anos…”) e, assim, adiamos um pouco mais o desaparecimento da princesa Feiurinha. Sim, princesa, pois ela se casou com o Príncipe Encantado para serem felizes para sempre.