19 de janeiro de 2025

As reformas na casa de Deus em Nossa Senhora do Desterro – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

Este é o segundo livro que li sobre a Matriz de Florianópolis, ambos editados pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (Reprodução)

O segundo livro que li sobre o mesmo assunto foi a “Igreja Nossa Senhora do Desterro” (IHGSC/Papa-Livro, Florianópolis, 2012), de autoria da professora Sara Regina Poyares dos Reis, é contada toda vida da catedral de Florianópolis, desde a chegada de Francisco Dias Velho e seus familiares, por volta de 1675 (ou seria  1673?), à Ilha de Santa Catarina, quando foi construída uma uma ermida com pedra e cal,  no alto de uma colina e a dedicou a Nossa Senhora do Desterro.

A autora discute, ao longo da obra, datas e nomes de personagens relacionados com o templo, discordando, em alguns pontos, das opiniões de outros historiadores, sobre quando cada fato aconteceu e quem participou dele. 

Outra preocupação da professora Sara é com a quantidade de obras de conservação, reforma  e ampliação que foram feitas no local ao longo de mais de 300 anos. 

Planta da igreja de Nossa Senhora do Desterro desenhada pelo Brigadeiro José da Silva Paes (Reprodução)

O aspecto imponente que tem a Catedral foi adquirido a partir de um projeto arquitetônico elaborado pelo Brigadeiro José da Silva Paes, primeiro governador da Província de Santa Catarina, que solicitou autorização ao rei de Portugal, D. João V. 

Sua Majestade autorizou a construção da Matriz, ressaltando que o serviço fosse feito com economia, através da Provisão de 19 de janeiro de 1748 (o documento completa hoje 276 anos). Mas a obra não terminou até hoje.

Exéquias para um defunto ausente

Um evento que achei pitoresco – vendo com os olhos de hoje – foi o das cerimônias fúnebres em memória a D. Pedro V, rei de Portugal e Algarves (1837 – 1861), que o jornal A Quinzena (02Fev1862) descreveu e a professora Sara incluiu no livro. A música Pro defunctis, composta especialmente para a ocasião, foi executada por uma orquestra composta por 32 músicos, professores e alunos, “entre estes alguns jovens catarinenses”, destacou o noticioso.

Além disso, nos conta Sara, montaram um catafalco –  “estrado alto sobre o qual se coloca o ataúde ou a representação de um morto a quem se deseja prestar honras” – no centro da Matriz, com guarda de honra na porta da igreja “e foram dadas várias descargas” [tiro de canhão, acredito]. A autora acrescenta de forma sardônica: “Isso tudo, apesar de o defunto estar lá em Portugal”, a 8.500 quilômetro, esclareço.

Vitral contestado pela autora (Foto JCarlos 14012025)

Erro histórico

Outro questionamento da autora é com relação a oito vitrais que foram encomendados em 1948, no valor total de Cr$10.100,00, todos pintados pelo artista belga Frank Urban. Escreve a historiadora: “Tais vitrais foram inaugurados em 1948; um deles, de caráter  histórico, representando a ligação da cidade com o fundador, Dias Velho, apresente erros históricos, tais como a questão do cruzeiro que teria sido colocado pelo bandeirante e que hoje sabemos não ter sido levantado pelo fundador da póvoa”.

Reformas demais da conta

Igreja matriz de Florianópolis (Foto JCarlos 14012025)

A professora Sara – que se dedicou a defender o patrimônio histórico de Florianópolis – criticou as reformas e pinturas que foram feitas na Catedral ao longo dos anos, sem respeitar a decoração que existia. Segundo ela, contratavam pessoas inabilitadas, mandavam cobrir tudo com tinta e renovar as pinturas, de acordo com o gosto dos responsáveis pela igreja na época.

Após relacionar várias obras na edificação, a autora destaca: “Já se pode ter uma ideia de quantas reformas, reconstruções, consertos, enfim, se deram na velha Matriz. Nota-se, também, que as distâncias entre os anos em que tais se deram foram mínimas. (…) Mesmo levando-se em conta o despreparo de alguns, é impossível imaginar que a igreja pudesse ter tantos problemas em tão curto espaço de tempo, ainda que se aceite a sua total falta de conservação”.

Sara Reis relata que havia muitos corpos enterrados no interior da Catedral – como era costume – e no entorno da igreja. “No ano de 1856, o vigário deu uma autorização para que se retirasse terra do adro da igreja para servir de aterro ao Cais do Couto (Cais da Alfândega). A terra foi levada com o que nela estava, ou seja, os ossos de muitos enterramentos. O povo gritou e pediu um ato de dessagração*, o que não foi realizado. Foi uma afronta às pobres criaturas que serviram de aterro ao cais da nossa Alfandega”.

Andaimes eternos

Estivemos em Santa Catarina pela primeira vez em 2012, na nossa primeira visita e encontramos a Matriz em obras de restauração da pintura interna. Na semana passada, dia 14/01, estive lá na igreja para observar alguns detalhes citados pela autora deste livro (vitrais) e encontrei andaimes montados na frente do altar. 

Ou seja, os andaimes já se incorporaram à paisagem interna daquela Casa de Deus.

Gostei do livro pela quantidade de informações que trás sobre a Catedral, colhidos a partir dos Livros de Tombo e recibos do Arquivo da Cúria, jornais da época e da bibliografia existente. 

Modestamente apanhei a autora em um equívoco. Ela escreveu: “(…) A nova casa paroquial foi inaugurada em 29 de maio de 1941, dia de São Pedro e São Paulo, com uma bênção (…)”. 

O dia 29 de maio, segundo a hagiografia, é dedicado a Santa Úrsula Ledochowska, São Maximino de Tréveris e ao Beato José Gerard. O dia de São Pedro e São Paulo é 29 de junho, fechando os festejos dos santos juninos.

* Dessagração – É a remoção de uma bênção religiosa de algo que havia sido previamente consagrado para uso religioso. No caso, a terra doada como aterro, fazia parte de um “campo santo”, como são considerados os cemitérios.