18 de janeiro de 2025

Os servos de Deus em Nossa Senhora do Desterro – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

O padre Besen conta a história de Igreja Católica em Santa Catarina, desde 1713 (Reprodução)

Li, sequencialmente, dois livros com um mesmo assunto: a igreja dedicada a Nossa Senhora do Desterro, que é a matriz de Florianópolis. Uma das obras é dedicada às pessoas – religiosos e leigos – que fizeram a história do templo. O segundo é dedicado ao prédio físico propriamente dito.

Hoje vou comentar o livro a “História de Nossa Senhora do Desterro” (IHGSC, Florianópolis, 2013), do padre José Artulino Besen (1949-2024), que faz um histórico da relação entre a Igreja e o Estado desde que  os portugueses fundearam suas naus no Brasil, nos períodos de colônia, monarquia, império e república.

As conexões entre as duas instituições mudaram de dependência da igreja à coroa, o Padroado, quando bispos e padres eram empregados assalariados do Estado, para a separação quando os positivistas proclamaram a República e os religiosos tiveram que se autossustentarem. 

Nem todos os padres eram assalariados pela Coroa. Muitos sobreviviam das contribuições dos fiéis e das chamadas taxas de “pé de altar” (cobrança de taxas para rezar missas em intenção de alguém vivo ou morto, a santos e santas, batizados e casamentos).

A Catedral de Florianópolis foi o fio condutor do livro do padre Besen (Foto JCaros 14012025)

O autor fez um levantamento e relacionou todos os membros do clero, de origem portuguesa do continente, Açores e Madeira, espanhóis, italianos e alemães, que atuaram em Santa Catarina entre 1500 e 1983, portanto durante a monarquia portuguesa, o império brasileiro e a república. Para alguns dos citados, além das origens e filiação, o padre Besen acrescentou detalhes, positivos ou negativos, que marcaram a vida dos religiosos.

Entre os positivos, estão o trabalho de ajuda aos pobres desenvolvido pela beata Joana de Gusmão e pelo Irmão Joaquim Francisco do Livramento, cujas ações foram realizadas na segunda metade do século 18 e que até hoje têm continuidade.

Escapou fedendo

Degola do comerciante Procópio José de Bayer, em Itajaí, pelo Federalistas. O mandante teria sido um padre (Quadro óleo sobre tela de Terezinha Borba/Reprodução do livro Um federalista ante Moreira César, de Edison D’Ávila)

É relatado também os infortúnios de padres que se envolveram com política e se deram mal. Um exemplo é o padre Francisco Vilela de Araújo, vigário de Laguna, que recebeu as tropas de Giuseppe Garibaldi e seus Farrapos, com honras e até um Te Deum (ofício de ação de graças), em julho de 1839. 

Pouco tempo depois, o padre protestou contra o “saque de Imaruí”, quando a localidade foi dizimada pelas tropas dos Farrapos, com pessoas torturadas, degoladas e cujos corpos foram queimados. Essa reclamação desagradou ao comandante Davi Canabarro, que mandou executar o padre Francisco com requintes de crueldade. Antes de morrer, teve os olhos arrancados e o corpo foi mutilado.

Quem escapou “fedendo” da execução, esse já no expurgo feito após a Revolução Federalista (1883-1884), foi o padre João Rodrigues de Almeida. Ele não tinha identidade com a República e, como presidente da Câmara Municipal de Itajaí, demonstrou simpatias pela revolta. Foi preso acusado de ter entregue o dinheiro da municipalidade para os federalistas, queimado uma ponte para dificultar a passagem das tropas governistas e ter incentivado o linchamento de um empresário simpático aos republicanos.

Perante o interventor Moreira César, que tinha ordens de extinguir, literalmente, com os federalistas, o padre negou os crimes e, por um “aborto da natureza” (como eu denomino o fenômeno), o coronel poupou a vida dele e determinou que o padre devolvesse o dinheiro desviado dos cofres públicos, pedisse exoneração do cargo de vigário (era vinculado ao Estado) e voltasse para Portugal.

Agradecendo a Deus por não ter sido fuzilado na ilha de Anhatomirim, o padre vendeu bens, levantou empréstimos e fez a devolução do dinheiro, pediu demissão e foi para o Rio de Janeiro em busca de um transporte para sua terra natal. Depois recebeu um habeas corpus e não precisou deixar o país, mas foi perseguido politicamente pelo resto da vida. 

Presidente da (ex-)República

Se a cidade de Lages (SC) se orgulha de ter entre os seus filhos, Nereu Ramos, o único catarinense que ocupou a cadeira de presidente da República – mesmo que por 63 dias -, Paranaguá, no Paraná, também pode se ufanar de ter sido o berço de outro presidente da República. Mas de uma República de vida efêmera, a República Juliana, que foi proclamada em Santa Catarina entre 24 de julho e 15 de novembro de 1839.

Quem teve essa honra foi o padre Vicente Ferreira dos Santos, que foi coadjutor de São José (SC) e vigário encomendado (a comunidade pediu um padre para a localidade) de Nossa Senhora de Enseada de Brito (hoje município de Palhoça – SC). Quando os farroupilhas invadiram Laguna, ele se candidatou a presidente do “Estado Republicano Livre Constitucional e Independente de Santa Catarina” – “República Juliana” e obteve apenas quatro votos, contra 17 dados ao vencedor. Como o “presidente” eleito não pode assumir, o padre Vicente fez o sacrifício de assumir o cargo em 7 de agosto de 1839. 

Derrotada a revolta, o padre retornou aos seus ofícios na tranquila Enseada de Brito e faleceu em São José, em 1860.

As irmandades

O livro ainda conta as histórias das diversas Irmandades que existiram na Vila de Desterro, criadas para assistir aos mais pobres e desvalidos, doentes, hansenianos, ‘chagados’, apoio aos órfãos e auxílio para o enterro dos mortos. No caso dos negros escravizados, aforriados e ex-escravizados, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, permitia o acesso à igreja e participar do culto católico.

As outras irmandades: Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Irmandade do Senhor dos Passos, Irmandade do Divino Espírito Santo, Irmandade do Santíssimo Sacramento, Irmandade do Glorioso Arcanjo São Miguel, Irmandade de Nossa Senhora do Bom Parto, Irmandade de Nossa Senhora da Conceição e a Irmandade de São Sebastião da Praia de Fora.

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