Teteú era como Theobaldo (“Com ‘h’ depois do ‘t’, por favor”) da Silva foi conhecido em vida. Ele foi uma daquelas pessoas que, até na hora do enterro, a sina de azarado que o perseguiu durante a sua existência deu mostras, para não deixar nenhuma dúvida quanto à falta de sorte do defunto.
Aliás, “falta de sorte” não define bem a coisa, pois Teteú foi vítima, durante sua vivência, de vários tipos de assaltos. Uns sem gravidade, outros com risco da vida. Teve um deles, até, que de tão ridículo, passou a fazer parte do repertório interno de piadas da família, que era lembrado a cada almoço de natal, para desespero dele.
A carreira de vítima preferencial dos ‘bandidos’ da cidade começou ainda no jardim de infância. Um coleguinha tomou dele o ursinho do talco Pom Pom, que era seu brinquedo favorito e nunca mais o devolveu.
No grupo escolar, o bagunceiro da turma o perseguiu durante os quatro anos do curso primário, lhe dando tapas na cabeça, tomando o lanche ou “pegando emprestado” sucessivas caixas de lápis de cor de 12 cores. Não adiantava a mãe reclamar com as professoras, que diziam não terem visto esta campanha sistemática de intimidação, que hoje é chamada de “bullying”.
O roubo da bicicleta que ganhou do “papai Noel da madrinha” foi naquela época. Um homem jogou o menino no chão e levou a bike. Detalhe: a violência contra a criança aconteceu ainda no dia de natal.
Foi no curso ginasial que aconteceu o fato que ficou marcado pelo restante da vida, apesar de ter sido uma coisa frívola. Em uma manhã de garoa fina e fria, a mãe insistiu para que ele levasse o guarda-chuvas, com a recomendação de que não esquecesse o acessório na escola (“cuidado com esse guarda-chuvas que foi do seu pai”).
A advertência da mãe de Teteú para ele ter cuidado com o guarda-chuvas paterno foi inútil.
Alguém, que até hoje não se sabe quem e nem como, tomou dele o guarda-chuva ainda na ida para o colégio. “Eu estava andando com o guarda-chuvas aberto, levei um tranco e o guarda-chuva sumiu. Sumiu! Não vi ninguém perto…” Tentou explicar.
Quando o ano estava quase terminando, Teteú foi vítima mais uma vez do infortúnio. A mãe o levou à loja para adquirir um par de calçados simples. Teteú, porém, fez pirraça, insistindo com a mãe na compra de um Nike, igual ao que os colegas tinham. A mãe se dobrou à obstinação do menino e parcelou a compra do calçado.
O prazer de usar um “Nike-igual-ao-que-os-outros-meninos-têm” durou exatos 14 minutos. Foi assim: Teteú acordou mais cedo que o costume, se arrumou – nem tomou o café – e partiu em direção ao colégio, prevendo o sucesso que iria fazer entre os colegas. Na segunda esquina que ele virou, foi parado por um adolescente que atravessou a bicicleta na frente dele, já falando: “Me dá o Nike!”
O menino olhou para os lados em busca de socorro, mas a rua estava vazia e as casas com as janelas fechadas. “Me dá o Nike, moleque, ou vou te encher de buracos!”, ouviu novamente, e quando olhou para o assaltante este estava com um canivete aberto na mão. Sem alternativa, encostou-se no muro, tirou o par de tênis novos, e os entregou ao marginal. Depois virou as costas e correu para casa de meias. Chorando, contou à mãe o infortúnio. Ela ouviu os detalhes que o filho dava pensando nas doze prestações que teria que pagar por nada.
Décadas depois, no dia do enterro do Teteú, dois homens armados apareceram e assaltaram as poucas pessoas que estavam no velório, e nem o morto foi poupado. Levaram o terço de ouro que pertenceu à bisavó do finado e que foi colocado entre as mãos dele para ser retirado antes do sepultamento.
O Guinness World Records ainda não registrou Teteú como o maior freguês da delegacia de furtos e roubos da cidade.
Azar até nisso.
[Crônica IV/2024]