Irineu saiu de casa dos pais aos 17 anos, não por necessidade, mas procurando encontrar seu próprio caminho. Trabalhava como auxiliar de escritório durante o dia e estudava à noite. O dinheiro mal dava para o aluguel e uma refeição diária, que incluía todas as outras – café da manhã, almoço, jantar e dois lanches -, recomendadas pelos especialistas do ramo.
Em uma época de inflação constantemente em alta, o valor do aluguel sempre era majorado acima do índice do salário que ele recebia e Irineu passou a ser um nômade na cidade. Vivia à procura de um ‘quarto-e-sala’ (era como se chamavam as quitinetes) com os aluguéis mais baratos.
Para facilitar as constantes mudanças, Irineu recolheu seis caixotes de feira, onde acondicionava seus teréns nos deslocamentos e, ao chegar à nova residência, as caixas de madeira eram empilhadas e serviam como armário e guarda-roupas.
Em muitas noites olhava para aquele mobiliário improvisado, e ao dormir sonhava com uma casa em que todos os móveis tinham gavetas para todo lado. No dia seguinte não sabia se teve um pesadelo ou uma premonição.
O tempo passou e Irineu conseguiu “vencer na vida”. Enquanto melhorava a situação financeira, jurou para si próprio que todos os móveis de sua futura casa teriam gavetas, não na quantidade que via nos seus sonhos, mas o suficiente para guardar toda a miudeza acumulada durante a vida.
Hoje, aposentado, vivendo em uma casa confortável, a maior dificuldade que Irineu enfrenta é encontrar alguma coisa de que necessita, pois nunca sabe em que gaveta o objeto procurado está guardado.
[Crônica I/2025]