10 de dezembro de 2024

As lendas do Urutau, a mãe-da-lua

Por José Carlos Sá

Urutau ‘bocejando’ (Foto Leonardo Amui / Via Wikiaves)

Uma frase escrita por Monteiro Lobato na obra ‘As aventuras de Hans Staden’ reacendeu a minha curiosidade de saber mais sobre o urutau, o pássaro também chamado de mãe-da-lua. A frase era: “…abrindo a boca num bocejo de urutau”, quando Narizinho pediu à avó para encerrar, por aquele dia, as histórias das aventuras do alemão.

Urutau, mãe-da-lua, urutau-comum, urutágua, urutágo, kúa-kúa e uruvati (Fotos Grupo Observa SC / Whatsapp)

Primeiro, apresentando a personagem: O urutau (Nyctibius grandis) é uma ave noturna encontrada na América Latina, entre a Costa Rica e a Argentina. Se alimenta de insetos em voo – especialmente grandes mariposas, cupins e besouros – e tem a capacidade “ninja” de ficar imóvel a ponto de ser confundido com um galho seco de árvores. No entanto, mesmo com os (grandes) olhos fechados, consegue observar o arredor. Também é conhecida com os nomes de mãe-da-lua, urutau-comum, urutágua, urutágo, kúa-kúa e uruvati.

Encontrei, pelo menos, três versões de lendas sobre o pássaro: Uma dos indígenas brasileiros, uma indígena peruana e outra com origem na fronteira do Brasil, em Mato Grosso do Sul, com o Paraguai, na região de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero. Vamos a elas.

Nheambiú virou mãe-da-lua depois de perder o seu grande amor (Foto Marcelo Dutra / Wikiaves)

O amor de Nheambiú e Cuimbaé 

Contam que Nheambiú, jovem do povo guarani filha do tuxaua, se apaixonou por Cuimbaé, guerreiro tupi que fora feito prisioneiro. Nheambiú pediu várias vezes ao pai para se casar com Cuimbaé, mas o pedido foi negado tantas vezes quanto foi ouvido. A jovem então sumiu da taba e toda a tribo foi colocada à sua procura. Depois de longas buscas, Nheambiú foi encontrada no meio da mata, paralisada e muda, feito uma estátua. O pajé foi chamado para fazer o desencanto e, como último recurso, falou ao ouvido dela que Cuimbaé morrera. Neste momento Nheambiú se tornou um pássaro – o urutau – que toda noite voa e chora a perda do seu grande amor.

Bebê abandonado 

Na lenda difundida na Amazônia peruana sobre o “ayaymama” (nome local do urutau), um bebê foi abandonado pela mãe na floresta para evitar que morresse por uma peste trazida pelos europeus e que estava dizimando todo o povo. O bebê foi transformado em uma ave que todas as noites lamenta por sua mãe, já que o canto do urutau lembra uma criança lamentando: “ai, ai, mama”.

A história não conta “quem” transformou o bebê em ave e nem “porquê”.

Dançarino de luto

Na região da fronteira Brasil-Paraguai, entre Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, contam que a mãe-da-lua é fruto de uma maldição. Naquelas paragens existia um jovem que era habitualmente convidado para as festas nas fazendas e estâncias, por ser bem educado, culto e bom dançarino. Ele era filho único e cuidava da mãe que já era idosa e doente.

Depois que ele se casou e a mulher foi morar na propriedade deles, o jovem parou de frequentar as festas. Um dia, a mãe passou mal e foi preciso que ele fosse até a cidade buscar um médico. No caminho, ao passar por uma fazenda, viu a movimentação e os sons de uma festa, e resolveu apear do cavalo e apreciar a olhar um pouquinho o fandango.

A coisa estava boa e ele dançou uma noite e um dia sem perceber a passagem das horas, só deu por fé com a chegada da esposa. Então se lembrou que estava indo buscar socorro para a mãe. Ele falou para a mulher: “Parei um pouco aqui, mas vou seguir para a cidade”. Ao que a esposa respondeu: “Não precisa mais. Sua mãe morreu”.

O homem saiu correndo, entrou na floresta e nunca mais foi visto. E a lenda é concluída assim: “Dizem que os espíritos da floresta o castigaram transformando em uma ave de olhos amarelos chorosos, que só é permitida sair pela noite se lamentando para lua sua única companheira na solidão”.

[Crônica CLXXIX/2024]

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