Janjão, na outra encarnação, foi filho de um sultão ou xeque – não sei bem -, mas era um daqueles nababos que dão ordem com o estalar dos dedos. Se queria comer, “tlec”, e vinha a serva trazendo a bandeja com frutas, pães ou carnes. Mais um “tlec” e outra serva surgia com uma jarra de água ou de vinho. Estava com enfado? Um “tlec” e apareciam – magicamente – belas odaliscas para dançar ao seu redor.
E Janjão se acostumou com aquela existência marômeno e não queria mais nada na vida. Experimentava estalar, simultaneamente, os dedos das duas mãos para pedir comida, bebida ou diversão ao mesmo tempo, por que não? E era atendido.
No período entre a morte e o retorno a esse vale de lágrimas, os supervisores do Janjão não seguiram os regulamentos e ele foi dado como pronto para retornar à vida na Terra sem ter sido devidamente sanitizado moralmente e todo o passado apagado convenientemente.
Ao (re)nascer em uma família de classe média C (não sei se ainda tem essa classificação alfa-econômica-social), Janjão trouxe consigo quase todos os maus costumes de marajá, que tinha na vida anterior.
Na nova vida, Janjão durante a infância, ficava deitado na poltrona, com o controle remoto da tevê nas mãos e gritava: – Fulana! Traz água pra mim! – Fulana, quero comer biscoito! – Fulana, etc…E a cuidadora se virava para atender aos desejos do reizinho.
Tempos depois, já adulto, sem a Fulana para atender suas necessidades elementares, Janjão fazia um tremendo esforço de ir, ele mesmo, até a geladeira pegar água; passar pelo fogão e servir de comida ou preparar o próprio lanche.
Porém, uma coisa ele nunca se esqueceu dos seus tempos de sultanato: não lavava a louça que suja, nem enche a garrafa de água que esvazia, entre outras atividades que são destinadas a pessoas de comuns, o que ele acha que não é.
Vai ser preciso passar um novo ciclo no umbral para Janjão entender que as pias não são mágicas, onde você coloca a louça suja e a cuba, ela mesma, lava, enxuga e as guarda no armário.
Não sei se o cara tem jeito, nem na outra encarnação…
[Crônica CLXXV/2024]