
O Beto, papagaio-cinzento da d. Almerinda, foi furtado e colocado à venda na OLX (Foto Karen Arnold/Reprodução)
O papagaio da portuguesa dona Almerinda chamava atenção pela cor dele: cinza, com penas vermelhas na parte interior das asas. Ela o ganhou de um sobrinho que a visitou no Brasil e trouxe a ave, clandestinamente, do Congo. Até o dia do ocorrido, as pessoas admiravam o pássaro pela estranheza, mas ninguém a denunciou por ter um bicho exótico em casa, talvez por não verem perigo em um papagaio cinzento.
Guadalberto ou Beto – o nome era homenagem ao bisavô de d. Almerinda, que foi político e era o grande orgulho da família – não “falava”, apenas imitava os assobios que ouvia, desde o indefectível “fiu-fiu”, até o Hino Nacional Brasileiro. No entanto, o que Beto mais gostava era assobiar o hino do Flamengo, que ele aprendeu com um pedreiro que fazia serviços na vizinhança.
O papagaio vivia solto na casa da dona Almerinda e a acompanhava quando estendia roupa na área comum da estância em que moravam. Um dia, depois do entra-e-sai do pendura-roupa-no-varal-e-busca-mais-roupa-no-tanque, a mulher deu pela falta do bicho. Procurou por toda casa, olhou sobre e sob os móveis, perguntou aos vizinhos, colou xerox da foto dele nos postes e nada. O Beto sumiu.
Esgotadas todas as possibilidades de busca, foi até a delegacia e registrou um B.O., se esquecendo que o animal de estimação era considerado uma espécie invasora e poderia ser apreendido pelas autoridades e resultar em uma multa a ela.
Quatro meses se passaram e dona Almerinda, mesmo “guardando luto”, seguiu a vida de aposentada, no ciclo “padaria, supermercado, farmácia”, sempre triste. Uma noite, quando a novela já estava acabando, recebeu uma ligação de uma sobrinha que morava em outra cidade:
– Bença tia! Tudo bem com a senhora? Estou ligando para dizer que vi o Beto na OLX!
– Deusbençoe. Hein? O Beto? OLX? O que ele está fazendo lá?
– Tia estão vendendo ele, Diz-que é mais de seis mil reais, pois é um papagaio raro… E o endereço da vendedora é aí perto da sua casa.
No dia seguinte, logo cedo, dona Almerinda foi à delegacia e contou ao comissário que havia encontrado o Beto e que ele estava à venda. Acompanhada por dois policiais, a mulher foi à casa da vizinha buscar o papagaio, que arrepiou as penas ao ver a legítima dona.
O delegado agora está buscando o enquadramento legal das duas mulheres nos códigos penal e ambiental, e o destino do papagaio cinzento que assobia o hino do Flamengo.
(Inspirado em acontecências portuguesas)
[Crônica CLXXIV/2024]