26 de novembro de 2024

Fugindo da multa com estilo

Por José Carlos Sá

Pessoas em conflito com a lei em um estado se mudam em busca de anistia (Imagem criada por IA Microsoft/Designer)

Já vimos em filmes ou soubemos pela imprensa sobre pessoas em ‘conflito com a lei’ (adoro esse eufemismo) fogem para outros Estados, onde a legislação é mais branda ou mesmo complacente.

Na época do “cangaço”, o bando de Lampião, Corisco, Quinta-Feira, Jesuíno Brilhante, entre outros, viviam fugindo de um Estado para outro, buscando lugares onde as autoridades eram mais maleáveis e lhes dava proteção. Assaltavam na Bahia e fugiam para Sergipe ou Alagoas. Ou iam para o Ceará, roubavam e passavam para o Rio Grande do Norte.

Se proteger do outro lado da fronteira – nesse caso limites estaduais – é o caso de um agricultor do Paraná, multado pelo IAT – Instituto de Águas e Terras do Paraná – por ter desmatado uma área de proteção ambiental na propriedade dele no município paranaense de Guaratuba, na linha divisória com o Estado de Santa Catarina.

O agricultor, identificado apenas como “Sandro”, já sabia que as terras dele ficavam em uma espécie de “Faixa de Gaza”, entre os territórios de Santa Catarina e Paraná, criada na revisão de limites feita pelo Exército Brasileiro nos anos de 1918 e 1919. Desse trabalho ainda restam marcos físicos que foram implantados pelos militares.

Quando recebeu a multa, Sandro entrou com um recurso alegando que as terras dele ficavam em Santa Catarina, apesar de estarem registradas em cartório de Guaratuba. Em análise do agravo, os técnicos do IAT, usando equipamentos modernos, constataram a veracidade do apelo e foi aberto um novo processo para “devolver” cinco quilômetros quadrados para Santa Catarina. A palavra final é do IBGE, que vai dar o parecer em breve.

Pesquisei e não encontrei as respostas para essa dúvidas que ficaram pairando na minha cabeça desde que ouvi a notícia, que ficou com foco apenas na alteração dos limites estaduais: 1. A multa pelo desmatamento de APP será anulada pelo governo do Paraná? 2. As autoridades de Santa Catarina estão cientes que vão receber um produtor com um passivo ambiental? 3. O ato que é crime no Paraná também é crime em Santa Catarina? 4. O desmatamento vai ficar por isso mesmo? 

Contestando ainda hoje

Infográfico do G1-SC explicando o que muda na divisa entre os dois estados (G1-SC/Reprodução)

O desentendimento sobre os limites entre Santa Catarina e Paraná foi iniciado em 1853, quando o Paraná se tornou uma comarca autônoma de São Paulo e passou a reivindicar o território do Norte de Santa Catarina, conta a história. Com a Proclamação da República o assunto se agravou, mas houve um acordo entre os governadores Lauro Müller (SC) e Afonso Camargo (PR), em em 1916 e o litígio foi encerrado. Os limites foram ratificados depois da revisão realizada pelo Exército, já citado acima.

Técnicos paranaenses revisam limites demarcados pelo Exército entre 1918 e 1919 (Foto IAT-PR)

Antes do acordo entre os governadores, houve a Guerra do Contestado, que foi provocada pela soma de vários fatores: a disputa de pela terra em litígio por fazendeiros e trabalhadores sem terra, a construção de uma ferrovia que iria valorizar as terras vizinhas e a valorização da erva-mate. Isso tudo resultou na morte de cerca de 20 mil pessoas entre 1912 e 1916.

Parece que o problema ainda não acabou.

[Crônica CLXXII/2024]

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Cangaceiros Corisco Guerra do Contestado Lampião Paraná Santa Catarina 

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