Considero o supermercado um lugar inóspito, que só frequento por necessidade. Tudo lá me irrita: as pessoas distraídas olhando para o celular e atropelando você, as crianças mal-educadas correndo e empurrando carrinhos enquanto gritam e/ou choram, e o som ambiente, que intercala música chata com a voz monocórdia de um funcionário anunciando coisas que ninguém escuta.
Em um sábado recente, acompanhei a Marcela ao supermercado. Era um dia triplamente ruim, na minha opinião: primeiro sábado do mês (todo mundo com dinheiro no bolso); dia de promoção em todos os supermercados; e o dia em que todos resolvem ir ao mesmo supermercado, talvez pelos dois primeiros motivos.
Quando estávamos na seção de carnes, ouvi um samba do Jorge Aragão sendo executado por um assobio. Levantei as antenas para sintonizar melhor a música, pensando que vinha do som ambiente do mercado, mas logo percebi que o sistema sonoro tocava outra música e o assobio continuava entoando “… Foi aí que o barraco desabou / Nessa que o meu barco se perdeu…”
Olhei ao redor para descobrir quem era o assobiador oculto, mas não consegui identificá-lo. O assobio era melodioso e agradável e já entoava uma música do Djavan quando a Marcela chegou para depositar as mercadorias no carrinho, e perguntou: “Tá ouvindo? Que coisa bonita, né? Já sabe quem está assobiando?”
Foi só quando empurrava nosso carrinho entre as gôndolas do setor de hortifruti que avistei o assobiador. Era um homem negro, alto, que conduzia seu carrinho de compras e assobiava para distrair a filha, uma garotinha risonha, enquanto a companheira pegava as mercadorias nas prateleiras.
Aproximei-me dele e agradeci pela atitude, pois, sem querer, ele tornou o lugar melhor, pelo menos para mim.
[Crônica CLXX/2024]