“O rei da brincadeira (ê, José) / O rei da confusão (ê, João)…” Assim começa a polêmica música Domingo no Parque, de Gilberto Gil, lançada em um festival em 1967. A polêmica não foi por tornar “reis” um feirante e um pedreiro, mas pelo uso da guitarra elétrica e sendo cantada em ritmo de Rock n’ Roll, o que foi considerado um verdadeiro sacrilégio.
Não vou falar de música, de Gilberto Gil ou de rock, vou falar de reis e rainhas. Há 135 anos o Brasil deixou de ser uma Monarquia e passou a ser República.
Na época o povo não ficou sabendo de imediato da mudança e foi sendo informado lentamente. A mudança não foi apenas no regime político, mas em quase todos os aspectos da vida do cidadão. Muita coisa foi introduzida – como o casamento civil, por exemplo – e outras não foram abolidas – como a burocracia e a lerdeza proposital do serviço público (Ah! os cartórios também sobreviveram à deposição do imperador).
Mesmo pagando as contas da família imperial brasileira, o cidadão tem uma não-explicada saudade dos tempos dos Pedros e da D. Isabel. Durante o Império havia um calendário com as datas de aniversários do imperador e dos príncipes e cada cidade estava “autorizada” a criar impostos para bancar a festa dos natalícios. Na antiga Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, o Conselho Municipal (vereadores) criou um imposto sobre a venda de cachaça para bancar um dos aniversários de D. Pedro II.
Os militares que proclamaram a República o fizeram sem muito entusiasmo – a não ser os positivistas que estiveram por trás do golpe – mas depois tomaram gosto pelo poder. O povo é que nunca esqueceu a gala e a pompa dos imperadores e continua nomeando de “rei” e “rainha” a torto e a direito. A República não foi bem assimilada pelos brasileiros, acredito.
Lembrando alguns “coroados”: Roberto Carlos, “O Rei”; Xuxa, Rainha dos Baixinhos; Francisco Alves, O Rei da Voz; Ângela Maria, Rainha do Rádio; Emilinha Borba também era considerada Rainha do Rádio; Daniela Mercury, Rainha do Axé; Hebe Camargo, Rainha da TV Brasileira; Luiz Gonzaga, Rei do Baião; Pelé, Rei do Futebol; Reginaldo Rossi, Rei do Brega (aliás, Reginaldo Rossi é um predestinado. O nome significa “aquele que governa ouvindo conselhos”, o ‘REIginaldo’); Sula Miranda, Rainha do Brega; Roberta Miranda, Rainha dos Caminhoneiros e Rainha dos Sertanejos; e Gretchen, Rainha do Rebolado.
E ainda tem: Copacabana, Princesinha do Mar; Guajará-Mirim (RO), Princesinha do [Vale do] Guaporé; Humaitá (AM), Princesinha do Madeira; Manacapuru (AM), Princesinha do Solimões; Ilhéus (BA), Princesinha do Sul; e, para não estender muito, Montes Claros, Princesinha do Norte de Minas.
Nas ruas temos o “Rei dos Tecidos”; “Rei do Armarinho”; “Rei do Lanche”; “Rei do Pastel”; “Rei do Queijo”; “Rei do Pote”, “Rei da Tinta”; “Rei do Café” e “Rei do Mate”.
Em casa, a “Rainha do Lar” assiste a novela “O Rei do Gado”…
Para terminar como começamos, lembro que “Em Copacabana tudo é rei e rainha”, como cantava Geraldo Azevedo
[Crônica CLXVII/2024]