Já contei aqui que fiquei com uma curiosidade corroendo meu cérebro por vários dias – 17 para ser exato – e não descansei até saciar aquela indagação: quem foi o autor da escultura “A fuga para o Egito”, obra que pertence à Cúria Metropolitana de Florianópolis há 122 anos?
A resposta me foi dada pela professora e arquiteta Angelina Wittmann, em uma pesquisa primorosa, onde não só mostrou quem foi o artesão Ferdinand Demetz, como onde ele vivia e as contribuições que deu à arte sacra.
Mesmo sem ter conseguido alcançar o objetivo com as pesquisas que fiz, encontrei outras histórias relacionadas à escultura nos diversos livros e documentos que consultei.
O que encontrei sobre a obra
Com poucas variações, as referências à escultura tinham o seguinte teor:
* “Aos 30 de maio de 1902 foi bento o grupo de imagens em madeira (Fuga para o Egito). Trata-se de uma bela obra de arte, entalhada à mão em peça única, pelo artífice tirolês Demetz Groeden” (A Igreja em Santa Catarina – Notas para sua história – Walter F. Piazza, IOESC, Florianópolis, 1977);
* “(…) A atual imagem [Fuga para o Egito], existente na Catedral desde 30/05/1902, é talhada em madeira “tilia grandiflora” de Gröeding – Tirol, Áustria, pelo artista Demetz. (…)” (Folheto “Amigo turista – Bem-vindo a Florianópolis – Paróquia Nossa Senhora do Desterro, Florianópolis, 1972);
* “(…) Em 30 de maio de 1902, foi benta a imagem da Fuga para o Egito, obra do escultor austíaco Demetz. O belo conjunto, com as figuras em tamanho natural, veio do Tirol e ainda se encontra na Catedral da capital catarinense. Seu custo, à época, foi de dois contos de réis. (…)” (Igreja de Nossa Senhora do Desterro – a matriz de Florianópolis – Sara Regina Poyares dos Reis, Editora Papa-Livro, Florianópolis, 2012);
* “Um dos principais chamarizes da Catedral Metropolitana de Florianópolis é o acervo de arte sacra. Seu interior abriga desde 30 de maio de 1902 a escultura “Fuga para o Egito”, do artista tirolês Demetz Groeden, que apresenta em dois blocos de cedro a fuga da Sagrada Família em tamanho natural. A obra de arte é entalhada à mão em peça única.” (https://guiafloripa.com.br/turismo/patrimonios-historicos/catedral-metropolitana).
O rabo do burro
O padre José Artulino Besen, em seu livro “Histórias de Nossa Senhora do Desterro – Na Ilha de Santa Catarina – 1713 – 2013” (IHGSC, Florianópolis, 2013), conta que – sem citar datas – que um homem se desentendeu com o monsenhor Frederico Hobold, então vigário da Catedral de Florianópolis e serrou o rabo do burrinho da escultura “Fuga para o Egito”, levando-o embora. Dom Frederico teria ameaçado o vândalo com todas as excomunhões possíveis e “o rabo retornou ao burro”.
Verifiquei visualmente a escultura, mas não dá para perceber qualquer dano à cauda do animal de madeira. Parece íntegro.
E como a escultura chegou aqui?
Nos documentos que folheei no Arquivo da Cúria Metropolitana, não encontrei nada relacionado à aquisição da escultura Fuga para o Egito. Encontrei recibos pelas compras dos sinos e do órgão de tubos; de cada saca de cimento e carreadas de areia para as reformas da Catedral, e até o pagamento da pessoa que foi à Europa negociar os sinos e o órgão, mas da “Fuga” não achei.
No portal Roteiro Autoguiado do Centro Histórico de Florianópolis, de responsabilidade da CDL Florianópolis, encontrei a transcrição de uma nota do jornal O Estado, de 8 de janeiro de 1988, com a seguinte afirmação: “(…) Conta a história que a escultura estava a bordo de um navio que naufragou no litoral de Santa Catarina, em 1902, e que foi adquirida pela Irmandade da Catedral pelo preço de dois contos de réis, moeda brasileira da época. (…)“
Parece que vou iniciar uma nova pesquisa…
[Crônica CLIII/2024]