O Estreito é a região continental de Florianópolis e é formada por dez bairros: o próprio Estreito, Coqueiros, Balneário, Bom Abrigo, Capoeiras, Itaguaçu, Abraão, Canto, Coloninha e Jardim Atlântico. Em dezembro deste ano comemoram-se 80 anos que a localidade passou a pertencer ao município de Florianópolis.
O livro “Estreito – Vida e Memória”, organizado pelo professor Iaponan Soares (Editora Lunardelli, Florianópolis, 1991) conta como a localidade foi povoada desde os indígenas Carijó até o final da década de 1980. Pelas páginas da obra são lembradas personalidades políticas, religiosas e populares que contribuíram para o desenvolvimento local.
O território já se chamou Arraial de Santa Cruz do Estreito, Passagem do Estreito, Estreito e, entre 1939 e 1944, João Pessoa, em homenagem ao político paraibano assassinado em 1930. Anteriormente pertencia ao município de São José, mas por um capricho do interventor Nereu Ramos, em dezembro de 1944, o Estreito foi anexado ao município vizinho, pois considerava “a inferioridade territorial de Florianópolis frente a outras capitais brasileiras”.
Por se localizar na parte continental mais próxima à Ilha de Santa Catarina, era onde faziam a travessia do canal. Antes da construção da ponte Hercílio Luz (1926), dependendo das condições climáticas, os viajantes eram obrigados a aguardar até dias para atravessar o canal. Com isso, foram sendo instalados pequenos hotéis e pousadas.

Igreja de Nossa Senhora de Fátima e Santa Terezinha – Estreito década de 1940 (Foto Reprodução livro Estreito…)
Segundo o escritor Iaponan Soares, “o Estreito tornou-se local de concentração de produtos destinados ao abastecimento da ilha, e, também, para exportação, numa extensão do próprio porto da capital. A produção que vinha do interior consistia em feijão, arroz, milho, batatas, café, frutas, aves, ovos, carne seca e couros”.
Também havia um matadouro, criado em 1842, para o abate de reses e fornecimento de carne à população ilhoa. “A dificuldade de transportar o gado para o abate na ilha levou o presidente da Província a tomar essa deliberação de estabelecer ali um matadouro. A travessia muitas vezes era feita a nado, o que fazia com que muitas reses se perdessem no mar. Daí os habitantes locais receberem a alcunha de “Tripeiros”, numa alusão às partes menos nobres da alimentação que o bovino oferece”, conta Iaponan
Quando a região foi desmembrada do município de São José e passou a pertencer a Florianópolis, a população, que reclamava da prefeitura josefense pelo abandono e descaso com a área, exultou. Mas a Prefeitura de Florianópolis demorou anos para “absorver” a nova responsabilidade. As conquistas do bairro só foram conseguidas, pouco a pouco, pela insistência dos moradores reunidos na Sode (Sociedade Pró-Desenvolvimento do Estreito).
Causos do Estreito
Separei dois causos que achei mais interessantes, envolvendo pessoas que fazem parte, senão da história, mas das lendas urbanas lembradas pelos antigos ‘tripeiros’.
A mala do Cheiroso

A travessia entre a Ilha de Santa Catarina e o continente era feita em barcos, bateiras e balsas (Ilustra Domingos Fossari/Reprodução do livro Florianópolis de Ontem, 1978)
Uma das personagens folclóricas era conhecida como ‘Manoel Cheiroso’. Sem emprego fixo, gostava de beber uma cachacinha e vivia às custas do cunhado, Elizeu di Bernardi, grande atacadista de carne e fornecedor exclusivo do mercado público de Florianópolis (hoje nome de rua importante em São José).
Uma vez Cheiroso foi levar a bagagem de um viajante até as lanchas que faziam a travessia, mas uma das malas não coube na embarcação e ficou sob a guarda do Manoel. Em Florianópolis, o homem foi preso pela polícia, suspeito de ter dado um desfalque em um banco em São Paulo.
Ninguém apareceu para reivindicar a bagagem. Conta-se que Manoel Cheiroso descobriu que havia dinheiro na mala e pediu a um amigo que o guardasse. Esse, de uma hora para a outra, se tornou um homem rico e o Cheiroso continuou fazendo biscates e dependendo do cunhado para viver.
A ‘coronela’ eleitoral
Dona Luluda, como era conhecida dona Maria de Lourdes da Costa Vaz, vinha de famílias tradicionais de Lages e de São José, onde o pai, João Vaz Sobrinho, foi conselheiro (vereador). Entre os anos de 1930 a 1960, o PSD (Partido Social Democrata) não perdeu nenhuma eleição no Estreito graças a ela. Na véspera das eleições a casa dela ficava lotada de pessoas para receber roupas, sapatos, tijolos, tábuas, ou qualquer outra coisa que pudesse ser “trocada” por votos.
A história mais interessante sobre o controle do “curral eleitoral” foi a disputa da Prefeitura nas eleições de 1954, quando o radialista Manoel Menezes era o candidato “imbatível”. No dia do pleito, dona Luluda colocou vários caminhões nas ruas da cidade (Estreito e Ilha) buscando eleitores de Menezes para levá-los às sessões eleitorais. “[Os caminhões] já lotados, rodaram, rodaram e rodaram e só trouxeram os eleitores de volta quando a votação estava encerrada”.
O livro é uma crônica interessante sobre o nascimento, infância e fase adulta de uma região que hoje tem uma alta taxa de densidade demográfica, comércio bem variado e uma vida noturna agitada.