
Escultura “Fuga para o Egito”, de autoria de Demetz Groeden, está na Catedral de Florianópolis há 122 anos (Foto Arquidioscese de Florianópolis/Sem autor/Sem data)
Precisei preencher o tempo de uma hora meia que eu “ganhei” entre um compromisso e outro no centro de Florianópolis. Pensei em aguardar sentado na Praça XV, mas desisti logo, pois o assédio é demais. A opção foi buscar refúgio na Catedral.
Entrei, me sentei e rezei agradecendo as coisas boas e ruins que aconteceram comigo (mais coisas boas), e fiquei por ali. Meu olhar perdido encontrou a escultura denominada “A fuga para o Egito” e lembrei de um causo que li há poucos dias.
O conto foi publicado no perfil no Facebook do engenheiro agrônomo Eduardo Rodrigues Hickel, o Gunga Rodrigues.

O pavilhão auricular esquerdo da escultura do jegue precisou ser amputado para a escultura caber no altar (Foto JCarlos)
Ele conta que, em 1902, quando a escultura “A Fuga para o Egito”, que retrata José a pé, Maria, com o menino Jesus no colo, sentada no lombo de um burrinho, chegou do Tirol, a obra não coube no espaço a ela destinada no altar-mor da igreja-matriz dedicada a Nossa Senhora do Desterro. A orelha esquerda do burrinho “sobrava” e, sem alternativa, cortaram o pavilhão auricular de madeira do bichinho. Ninguém notava o arranjo pela posição que a peça ficava em relação aos fiéis.
Passados alguns anos, a escultura foi parar na sacristia, onde foi atacada pelo tempo e pelos cupins. Preocupados com a conservação do patrimônio histórico e artístico, contrataram o professor Franklin Cascaes para fazer o restauro da obra, foi quando sentiram a ausência da orelha esquerda do burrinho. Uma busca foi feita em todas as dependências da catedral e arredores, sem resultado.
Na missa de domingo – a mais concorrida – o padre falou da restauração da escultura da Sagrada Família, e pediu a quem soubesse o paradeiro da orelha perdida que se manifestasse.
No dia seguinte à missa, o professor Cascaes recebeu das mãos de um moleque de recados um pacote feito com papel de jornal. Ao abrir, encontrou a orelha desaparecida.
Conta a lenda que o sumiço foi “arte” de uma das frequentadoras da igreja. Ela instalou a orelha de madeira em um salão de beleza para ouvir as conversas das freguesas. Mas a artimanha não deu certo e ela não conseguiu ouvir nada. Sem utilidade para fofocas, a beata devolveu anonimamente a orelhinha.
Voltando ao começo
Foi eu me lembrar da lenda e me levantar de onde eu estava, atravessar toda a nave e me dirigir à escultura, colocada à esquerda de quem entra na igreja matriz. A obra está protegida por uma redoma de vidro. Fui conferir se havia sinais da intervenção cirúrgica e lá estava a cicatriz bem nítida. O trabalho do restaurador não foi perfeito e é possível ver o sinal da cirurgia de extirpação e de reimplante.
Agora a minha curiosidade foi despertada sobre o autor da escultura. Tudo o que temos é que a obra foi esculpida em dois blocos de cedro, representando Maria, o menino Jesus, José e o burrinho em tamanho real. A obra é atribuída ao artista tirolês Demetz Groeden. E mais nada. Todas as pesquisas que fiz até agora chegam ao mesmo texto, sem nenhum acréscimo.
Quem souber alguma coisa, envie cartas (ou qualquer outra coisa) à redação.
[Crônica CXLI/2024]