Desde que tomei conhecimento da peça teatral “Ubu Rei ou os poloneses”, lá por volta de 1985, quando ela foi montada em São Paulo pelo grupo Teatro do Ornitorrinco, fiquei interessado. A imprensa – especialmente a de oposição ao governo militar – deu destaque para as apresentações, mas na época não fiz nada para saciar a curiosidade.
Passados quase 40 anos, li as duas versões da tradução da obra.
A peça escrita pelo francês Alfred Jarry foi montada pela primeira vez em 1886, em Paris. Fala de uma pessoa cínica, ridícula e grotesca, que quer conseguir o poder a qualquer custo e quando alcança o objetivo, se mantém usando os meios mais vis.
A personagem Pai Ubu foi inspirada no professor de física de Jarry no liceu – equivalente ao nosso secundário – chamado Hebért, que era descrito assim: “Père Heb era um desajeitado com uma barriga enorme, três dentes (um de pedra, um de ferro e um de madeira), uma única orelha retrátil e um corpo disforme”.
A peça começou a causar polêmica logo na pré-estreia, quando foram convidados, além do público, críticos de teatro de duas vertentes: tradicionalistas e vanguardistas. Todos se surpreenderam quando o ator que personificava o Pai Ubu chegou à boca de cena, olhou para a plateia e disse a palavra de abertura: “Merdre!” O teatro veio abaixo e foram quinze minutos de vaias, gritos indignados e assobios, contrastando com aplausos e vivas.
Outra característica interessante desse texto teatral é que o público identifica a personagem Pai Ubu com o tirano que está de plantão no seu país. Foi assim ao longo do século 20, com Hitler (chanceler e führer da Alemanha, de 1921 a 1945), Mussolini (primeiro-ministro da Itália, marechal do Império e Il Duce, de 1922 a 1945) e João Figueiredo (presidente do Brasil de 1979 a 1985). Muitos consideram o trabalho de Jarry profético.
Golpe de estado
Após matar o rei da Polônia, Pai Ubu chama ao palácio os nobres, os magistrados e os financistas e os manda matar a todos, passando a reinar sem oposição. Os impostos a serem pagos pelos pobres são aumentados, quem não paga, além de perder o poucos bens que tem, pode ser morto.
Um dos erros cometidos por Ubu foi mandar prender o capitão Bostadura (ou Bordadura, o nome varia com a tradução) que o ajudou a matar o rei. Bostadura se alia ao filho do rei assassinado e persegue Ubu, até o final, quando os poucos aliados e guardas do tirano fogem e se refugiam na França.
No Brasil a peça fez tanto sucesso (a montagem ficou em cartaz 27 meses e foi assistida por mais de 350 mil pessoas), que o ator Cacá Rosset levou a personagem para fora do teatro e, numa anti-campanha, lançou Pai Ubu como candidato a governador de São Paulo, nas eleições de 1986. Não encontrei quantos votos a criatura recebeu.
O texto escrito em 1886 para sacanear alguém incompetente extrapolou a paródia para se tornar um grito de protesto, e pode ser adaptada facilmente aos dias atuais.
P.S. Li as edições da Ubu Editora (São Paulo, 2021), com tradução de Bárbara Duvivier e Gregório Duvivier, e a publicação da Editora Civilização Brasileira (Rio de Janeiro, 1972), tradução de Ferreira Gullar.