Há muito, muito tempo atrás (a redundância é para ressaltar a antiguidade), apareceu em Porto Velho (RO) um especialista em criar diretórios estaduais de partidos políticos novos ou seminovos. A legislação permitia e o profissional cuidava dos trâmites cartoriais e entregava a agremiação rodando macio, para continuar na metáfora automobilística.
Nos preparativos para uma determinada eleição majoritária, um aspirante a candidato que desconfiava que o partido a que pertencia não apoiaria sua pretensão de concorrer à vaga de governador, se antecipou e encomendou ao despachante eleitoral uma sigla partidária que servisse aos seus propósitos. A única exigência é que o partido não poderia ser de extremos – nem direita nem esquerda. E que a Executiva Estadual tivesse autonomia.
Corridos os procedimentos processuais, com registros na Junta Comercial (o partido precisa ser registrado como pessoa jurídica de direito privado), no Cartório de Registro Civil e na Justiça Eleitoral, a organização foi entregue ao encomendante, que tratou de preencher os cargos – presidente, vice, tesoureiro e secretário – e conseguir filiações.
O diretório era formado por amigos e partidários mais próximos do pré-candidato e cumpriu todas as exigências previstas na legislação, e assim pode participar da eleição para a qual havia sido criado na condição de associação coligada. Ao contrário do que desconfiava, o candidato de que falamos foi aprovado na convenção do partido dele, sem precisar se utilizar da agremiação-estepe.
Passada a eleição, curadas as feridas da derrota, a manutenção do partido ficou dispendiosa e desnecessária, mas o funcionamento precisava ser mantido para que não perdesse o registro junto ao TRE.
Porteira fechada
Eu era o secretário desse partido criado sob encomenda e colhia as assinaturas nas atas preparadas pelo jurídico do diretório. Como eu disse, os dirigentes eram pessoas conhecidas, mas nem todas estavam nos cargos por vontade própria e esses faziam tudo para dificultar a minha vida. Eu precisava ir duas, três, quatro vezes para conseguir ser atendido. A frase “diga que não estou” era a mais repetida para mim.
Não fiquei sabendo quando o partido a que eu “pertencia”, mudou de mãos. E antes de saber, recebi um telefonema com um convite para comparecer a determinado endereço levando documentos pessoais, inclusive o título de eleitor. A pessoa que telefonou não sabia dar os detalhes e fui assim mesmo.
O local era uma sala ampla, enfeitada com as fotos de um determinado político rondoniense e a bandeira do partido. A pessoa que me recebeu disse que o (novo) presidente do diretório gostaria de continuar a contar comigo como secretário deles, pois já tinha conversado com os antigos “donos” que concordaram em me ceder a eles.
Eu fiquei injuriado, possesso, irado, indignado, mas mantive a calma e agradeci. Disse que não poderia continuar no cargo, por ter assumido um novo encargo no meu trabalho. De lá fui direto ao escritório do advogado que cuidava, anteriormente, do partido.
Diante da minha fúria, disse sorrindo: “Puxa vida, esqueci de avisar você!” Nem respondi. Saí batendo a porta. Fui para o meu trabalho e fiz uma carta de desfiliação em três vias. Voltei ao partido, entreguei umas das vias, pegando o recibo e de lá fui ao cartório eleitoral e registrei a desfiliação.
Venderam o partido e eu fui vendido junto! Até hoje eu não me conformo com isso.
[Crônica CXXX/2024]