Enquanto esperava o início da reunião em que eu ia participar, chegou um casal de jovens que olhou para dentro da sala e foi embora. Minutos depois a mulher voltou e se dirigindo a mim, que estava mais perto da porta, perguntou: “Alguém aqui vota em São José?”
Respondi que, pelo menos eu, votava. Ela então pediu licença para entregar santinhos de um candidato a vereador.
Neguei a autorização, informando que naquele lugar o tema “política” é vedado. Ela se desculpou e foi embora. Recebi expressões de apoio à minha iniciativa, ouvindo também o que alguns dos presentes pensam da política:
“Agora eles vem!”, “Detesto essa raça!”, “Eu sempre falo: política é a coisa mais baixa que existe na Terra, só não fica abaixo de satanás!”, e outras manifestações no mesmo tom.
Do breu
E do breu da minha memória, como diz a jornalista Bia Braune, clareou um episódio que presenciei. Era campanha para as eleições gerais de 2002 e estávamos em Ariquemes (RO) em um grande mutirão em busca de votos para os candidatos a governador, senador e deputados federais e estaduais da nossa coligação, e a ação concentrada visava arrebatar votos dos eleitores daquela localidade.
As equipes foram divididas para panfletar os diferentes bairros da cidade, enquanto os candidatos majoritários (ao governo e ao Senado) visitariam a área comercial. Depois todos deveriam se dirigir em passeata para a região da rodoviária, onde aconteceria o comício.
Era um dia de semana e os cabos eleitorais se misturaram ao burburinho intenso da cidade – atrapalhando quem estava trabalhando. O barulho dos carros de som dos candidatos a deputados estaduais se misturava à zoada das caixas de som de diversas lojas, em uma Babel amazônica.
O grupo de que eu fazia parte já estava nas imediações da rodoviária, quando chegou uma pessoa esbaforida avisando que um dos caminhões que seria usado no comício fora apreendido pela polícia.
“Chamem o advogado!” “Cadê o Fulano?” “Quem prendeu?” “Qual caminhão? O trio-elétrico? O do comício?” “Isso é sacanagem do pessoal do [Ernandes] Amorim (o prefeito na época e oposição ao nosso candidato)” Falavam todos ao mesmo tempo e, desorientados, pareciam baratas tontas.
O caminhão apreendido era alugado pelo senador Amir Lando (MDB), que estava presente, e orientou a equipe dele a providenciar a liberação. Meia hora depois, os assessores voltaram cabisbaixos e boquiabertos, dizendo que a apreensão havia sido feita por ordem do promotor de Justiça da Comarca, que estava indo pessoalmente ao local.
Nisso o promotor chegou e foi cercado pelos nossos políticos em busca da liberação. Ele ouviu, esperou que se calassem e disse, citando a Lei Eleitoral em vigor naquela ocasião:
– O caminhão vai ficar apreendido, pois descumpriu a determinação do TSE de que não é permitido propaganda sonora a menos de 200 metros de escolas, hospitais, estabelecimentos judiciais e sedes do Poder Legislativo e Executivo. O caminhão de vocês estava transitando, com o som ligado, justamente no Setor Institucional!
– Mas, excelência… – tentou ponderar o senador – ‘vossência’ poderia relaxar a apreensão, não ser tão rígido…
– Excelência, eu apenas cumpro as determinações que a lei estabelece. O senhor, como legislador, não pode ser contra aquilo que o senhor mesmo votou e aprovou.
Um silêncio constrangedor se fez. Nada mais foi dito e foram em busca de um outro trio-elétrico para a sonorização do comício.
[Crônica CXV/2024]