Por um motivo que eu não sei qual, algumas pessoas me elegem para ser o repositório, o confessionário, o divã de analista delas.
Foi o caso do Fausto – colega de trabalho, com quem eu tinha contato eventual – que me procurou muito depois do expediente, no bar que eu frequentava. Chegou, pediu licença para se sentar e desabafou feito uma panela de pressão sendo destampada.
Começou culpando a si mesmo por ter se apaixonado por uma colega lá da secretaria, mas que não se declarou a ela, mesmo com todos os sinais que recebia de que era correspondido.
Por timidez, talvez, não reagia ao encontrar bilhetinhos sobre a mesa dele quase todos os dias, com frases saint-exupéryanas do tipo “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas” ou algum outro dito na mesma linha.
Ficou animado quando soube que a autora das mensagens era, justamente, a Mirna, por quem tinha muita atração. Ela estava há pouco tempo na cidade e tinha ido trabalhar na secretaria indicada por um conterrâneo dela, que era gaúcha.
Saíram algumas vezes com o pessoal do trabalho para beber umas cervejas, mas o Fausto só a olhava de longe, sem atitude de entabular uma conversa a dois.
E se passaram duas semanas nessa embromação, quando ele soube no cafezinho de que a Mirna estava tendo um caso com outro colega e, parecia, disse o informante, que o envolvimento dos dois ia evoluir para “se juntarem”.
A notícia chegou no ouvido do Fausto naquele dia em que estávamos conversando (só ele falando). Contou-me que ficou arrasado, sem saber o que fazer. No começo da tarde ficou esperando a Mirna retornar do almoço e quando a viu, falou de um só fôlego: “Eu fazia tantos planos para nós dois e você escolheu outro, você me iludiu direitinho com aqueles bilhetes”.
A resposta é que acabou de desconcertar o cara: “É… Eu estou ficando com ele, mas eu gosto mesmo é de ti!”
Esperei ele enxugar uma lágrima que ameaçava sair de entre as pálpebras e só me ocorreu dizer: “Parece enredo daquela música do Gian e Giovani, Convite de casamento”
Que consolador que eu sou, hein?
[Crônica CXIII/2024 – Texto originalmente publicado no “Espaço da Prosa” – página Lítero Cultural – Jornal Alto Madeira 24/12/97, com o título ‘Simpatia, quase amor’]