28 de agosto de 2024

O chato do Voo 480

Por José Carlos Sá

(Antes de começar esta crônica, preciso situar os fatos narrados no ano de 1997. Eram outros tempos na aviação comercial)

O cara perturbou durante todo o voo (Imagem gerada por IA Dall-E3/Microsoft)

Em um voo entre Porto Velho e Brasília, via Manaus (AM), um colega de fileira de poltronas – estávamos separados pelo corredor -, se destacou durante a viagem. No dedo, um anel de “bacharel”, que ele sempre dava um jeito  de ser notado, e na cabeça a decisão de tornar aquela viagem inesquecível.

Logo após a decolagem, quando foram apagados os avisos de “não fumar” e “afivelar cintos”, a nossa personagem, que estava sentada na ala dos não fumantes, calmamente acendeu um cigarro e começou a fumar, apesar dos protestos dos demais passageiros, até que a comissária o repreendeu e ele apagou o ‘pito’. 

Pensei, que com o incidente, estava encerrada a atuação do colega, mas era só o começo do espetáculo.

O avião teria que passar em uma área de turbulência e o aviso de afivelar cinto foi aceso. O chato nem tomou conhecimento. Foi repreendido de novo. Passada a instabilidade, iniciaram o serviço de bordo. O doutor recebeu a bandeja, fez cara de nojo e a devolveu à comissária, dizendo que “aquilo não era comida”.

Pouco depois, através da campainha, chamou a aeromoça e pediu um lanche. “Mas o senhor disse que não queria…” “Mas agora eu quero!”  Comeu como um esfaimado, fazendo todos os barulhos que a boa educação condena (chupar os dentes, arrotar etc.). Pediu outro lanche, mas nem abriu a embalagem, dormiu abraçado com ela.

Com os procedimentos de descida já iniciados e avisos de afivelar os cintos e não fumar acesos, o colega resolveu ir ao toalete, sendo contido pela comissária. Ele fez cara feia, mas permaneceu sentado. Após o taxiamento da aeronave e antes da liberação, o homem quis se levantar, e novamente foi advertido. “Vai chegar ou não vai? Tô que me urino!”

Desta vez o que ele ouviu foi uma sonora vaia dos demais passageiros, que já não aguentavam mais a chatice da criatura.

O show continua

Durante a conexão em Manaus, o nosso amigo desapareceu na sala de espera. Ao reembarcarmos, quem estava brigando para se sentar na primeira fila? 

Quem adivinhar ganha um doce de abóbora com coco. Isso mesmo. Ele. Você ganhou.

Após a decolagem, o homem pegou uma sacola no compartimento de bagagens, abriu a caixa e retirou um CD Player. Instalou as pilhas, inseriu um disco e colocou os fones nos ouvidos. Ainda não tinha apertado a tecla “play” quando o comissário bateu no ombro dele. “Esse equipamento não pode ser utilizado durante o voo!” “Por que?”, perguntou agressivamente. Não ouvi as explicações, mas ele guardou o equipamento e se sentou com cara de poucos amigos.

Na distribuição dos lanches, recusou a bandeja. “Não quero, tô com raiva, não pude nem ouvir meu rádio… Estou em greve de fome”. Quando o serviço de bordo foi finalizado, ele acenou para a aeromoça que tinha servido e pediu um Campari “no capricho”. “Mas pensei que o senhor estava em greve de fome…” “Estou em greve de fome, não de sede”.

O cara continuou perturbando a tripulação até desembarcamos em Brasília, onde outras “autoridades” também buscam o seu momento de glória, pelo menos naqueles 15 minutos de fama, que o Andy Warhol disse que todos temos direito.

[Crônica CXII/2024 – Texto originalmente publicado na coluna ‘Agenda de Repórter – Jornal Estadão do Norte – 09/05/1999] 

Tags

Andy Warhol Brasília Campari Estadão do Norte Manaus Porto Velho 

Compartilhar

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>

*