03 de agosto de 2024

A história do “Eudefone”

Por José Carlos Sá

Precisei usar pprotetor auricular para conseguir trabalhar (Imagem gerada por Dall-E3/Microsoft)

Houve um tempo em que eu conseguia ler um texto – especialmente livros – em qualquer lugar, com o barulho que houvesse. Também já consegui escrever em ambientes adversos e sob pressão do tempo e dos colegas. Mas hoje não é mais assim. 

Qualquer rosnado da Aurora – a mais barulhenta da canzoada – no portão, já tira o meu foco, a atenção, a concentração, a compenetração no que estou lendo ou escrevendo. Vou escrevendo e pausando entre um AU-AU e outro.

Percebi que estava perdendo a capacidade de isolamento do mundo exterior quando trabalhei na Câmara dos Deputados, em Brasília, onde o meu posto de trabalho tinha menos de um metro quadrado. Era só um escaninho, eu ficava voltado para a parede (o computador) e de costas para o gabinete. 

Havia dias em que era impossível escrever um reles release sobre a atuação do deputado a quem eu assessorava. Redigir um discurso, então, nem pensar.

Todos conversavam alto e ao mesmo tempo e o barulho reverberava no meu nicho, ocupando os ‘alvéolos’ do meu cérebro. Eu tapava os ouvidos com as mãos e abafava o ruído, mas aí não podia escrever. Certa vez, comentei que iria providenciar um protetor auricular para tentar isolar-me do ruído externo e manter minha concentração no que escrevia. 

Meu colega Eude Santos apareceu certo dia trazendo uma grande caixa, dizendo: “Seus problemas acabaram!” Era um abafador de ruídos, grande, tipo conchas, cor laranja, daqueles usados pelos funcionários de pista dos aeroportos. Agradeci muito e testei logo. O troço funcionava e reduzia bastante os ruídos externos.

Aguardei a oportunidade para estrear o EPI (Equipamento de Proteção Individual) e numa tarde em que havia visitantes no gabinete, coloquei o fone e me virei para o computador.

Os ruídos externos foram se reduzindo, reduzindo, até sumirem totalmente. Eu não ouvia as vozes das pessoas atrás de mim, nem o som que vinha do plenário. Continuei escrevendo, achando que os fones que o Eude me deu eram fenomenais. Animado, dei até um nome para o acessório: “Eudefone”.  

Quando fiz uma pausa no trabalho e olhei para trás, vi meus colegas conversando, se comunicando com gestos e apontando para mim: “Ele está escrevendo”, diziam em mímica…

Fiquei com vergonha na hora, mas usei o  “Eudefone” outras vezes.

[Crônica CII/2024]

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Aurora Aiyra M'Bya Brasília Câmara dos Deputados EPI Eude Santos 

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